Ciro Gomes (PDT) | Análise de Programa de Educação

Confira a análise das prospostas para Educação do programa de governo do candidato à presidência Ciro Gomes (PDT), realizada por Maria Margarida Machado, ex-presidente da ANPEd e professora e pesquisadora da UFG.

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DIRETRIZES PARA UMA ESTRATÉGIA NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO PARA O BRASIL – COLIGAÇÃO BRASIL SOBERANO (PDT e Avante)

CANDIDATO A PRESIDENTE: CIRO GOMES

 

O texto analisado desta coligação informa que não se trata do Programa de Governo, mas de: “ (…) diretrizes que vamos discutir com a sociedade. Elas serão discutidas e aperfeiçoadas com a participação de toda a sociedade brasileira e suas muitas instituições representativas ao longo da campanha eleitoral”. Não tendo acesso ao resultado destas discussões, o comentário aqui apresentado só se refere a este texto.

O tema da educação já aparece na introdução do texto, após uma longa exposição sobre conjuntura onde o foco principal é a crise econômica e a questão do desemprego. A educação vai ser assim referida como ferramenta para se inserir no mercado de trabalho, buscar bons salários e aumentar a competitividade do país. O exemplo a ser seguido, segundo os autores destas diretrizes, é o que se realizou no Estado do Ceará, que hoje se destaca com escolas que apresentam os melhores resultados no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Com essa lógica de preparação para o mercado e de que qualidade se pode verificar pelo IDEB, afirma que “(…) nossas metas estarão relacionadas à correção da evasão escolar, à melhoria dos índices de desempenho dos alunos e à ampliação do acesso aos níveis de ensino médio e superior”.

O título que segue a esse texto introdutório é Detalhamento do Programa, portanto o que se inicia como diretrizes, em seguida, já é denominado programa. O referido programa está apresentado em doze partes: 1 - Geração de empregos; 2 - Recuperação e modernização da infraestrutura; 3 - Desenvolvimento e meio ambiente; 4 - Ciência, tecnologia e inovação; 5 - Investir maciçamente na educação; 6 - Aprimorar o SUS para melhorar o atendimento na saúde; 7 - Combater o crime com inteligência policial e proteção aos jovens; 8 - Criar, manter e ampliar os programas sociais; 9 - A cultura como afirmação da identidade nacional; 10 - Respeitar a todos os brasileiros; 11 - Combater a corrupção; 12 Defesa, política exterior e soberania nacional.

No detalhamento do Programa, o tema Educação aparece como quinto a ser destacado. Propõem-se iInvestir maciçamente em educação, após o item 4 (Ciência Tecnologia e Inovação). Isto chama a atenção, pois embora as temáticas estejam na sequência da exposição, e o texto inicial do item 4 afirme que “Uma política de ciência, tecnologia e inovação, articulada com uma política industrial e educacional, é fundamental em uma estratégia nacional de desenvolvimento.”, o desdobramento a seguir não evidencia a vinculação tão necessária com a política educacional, mas enfatiza muito mais o eixo vinculante da ciência e tecnologia à política industrial, à produção e venda de conhecimentos.

A apresentação da proposta para investir maciçamente em educação, que será o foco principal desta análise, apresenta propostas da educação infantil à educação superior: implantação paulatina de creches em tempo integral de 0 a 3; reafirma que no ensino fundamental o problema não é acesso, mas qualidade, citando como modelo novamente o Ceará e seus resultados no IDEB; proposta de elevar a média de anos de estudos da população, implantando escolas de tempo integral a partir do Ensino Fundamental II e Ensino Médio; reconhecer e valorizar professores e gestores; ampliar vagas nas universidades, inclusive com a política de cotas, desde que estas estreitem seus laços com o campo da educação básica, ciência, tecnologia e inovação. Finaliza afirmando o compromisso com as metas de desenvolvimento sustentável da ONU, com a aplicação das metas do PNE e em eliminar o subfinanciamento da educação causado pela emenda do teto dos gastos.

A temática da educação segue apresentada em 5 subtemas que tentam expressar relações entre si: 5.1 – Objetivos da política educacional; 5.2 Instrumentos necessários para viabilizar esses objetivos; 5.3 Com base nestes princípios, diversas medidas estão sendo propostas; 5.4 Duas políticas sociais serão fundamentais para auxiliar no desempenho, atratividade e redução da evasão por parte dos alunos, e envolverão também as áreas de saúde e assistência social; finalizando com um item quase isolado: 5.5, sobre o Ensino Superior.

Em todos os itens acima, a proposta apenas reitera o que já vinha se consolidando na política educacional dos últimos 15 anos, portanto, não há nenhum elemento novo no que se apresenta em termos de objetivos, princípios, medidas ou qualquer que seja o discurso que se reitera acerca da educação básica ou da educação superior para o país. Ainda assim, em se tratando de uma leitura específica dessas diretrizes no item 5, cabe destacar equívocos históricos que se reiteram e lacunas visíveis para um programa que pretende falar em um Brasil soberano.

No que tange aos objetivos da política educacional é flagrante a falta de noção da realidade do país que vivemos, pois a própria Emenda Constitucional 59/2009, que trata da ampliação da obrigatoriedade da educação básica de 4 a 17 anos, destaca que essa também deve ser garantida à população que não teve acesso a esta escolaridade e é maior de 17 anos. O tema da educação da população de jovens, adultos e idosos como direito é ignorado no conjunto dos objetivos. O tratamento dado ao “analfabetismo escolar” desconsidera aqueles que não estão nos processos de alfabetização ainda hoje e que representam mais de treze milhões de brasileiros. A referência à qualidade, mais uma vez a partir de IDEB e PISA, demonstram a total adesão a modelos que só consideram avaliações em larga escala, não levando em conta os equívocos que os usos destes resultados têm provocado na educação brasileira.

Sobre uma apresentação de instrumentos para o alcance dos objetivos, o primeiro item é o que trata de uma base nacional comum curricular, como se isso de fato fosse, na política educacional brasileira, o elemento fundante para mudar a realidade que vivemos. Na sequência, o que é apresentado como instrumento em 5.2, passa a ser tomado como princípio, e o discurso é de, primeiramente, pautar a reabertura da discussão da BNCC - em nenhum momento se põe em questão a pertinência de tal Base, que é o centro do debate dos pesquisadores do campo hoje no Brasil.

Quando a proposta toca num elemento fundante da política educacional, o financiamento da educação pública, fala-se de um novo Fundeb, que passaria por uma ampla discussão até março de 2019 para chegar ao Congresso Nacional. O que já de princípio é de espantar, pois todos os governadores e o Presidente que assumirem em janeiro terão de se perguntar como esse processo amplo de participação será garantido em tão pouco tempo, antes mesmo de se retomar, minimamente, o debate sobre o Sistema Nacional de Educação, que se encontra paralisado desde o Golpe de 2016. A medida proposta de ampliação de rede de ensino infantil, fundamental e médio esbarra na mesma questão do Sistema Nacional de Educação e do pacto federativo necessário para viabilizá-la, mas o mais grave, neste item, é um candidato a presidente repetir em discursos que o problema do país não é recurso e afimar, em seu programa, que: “Além do apoio direto, o Governo Federal apoiará estados e municípios para a obtenção de recursos junto a organismos internacionais de financiamento”. A quem interessa esse endividamento externo?

A medida que trata da ampliação da rede de escolas par alfabetização e o ensino de jovens e adultos primeiramente desconsidera que a educação de jovens e adultos (EJA) é uma modalidade da educação básica, portanto não deve ser tomada nem como ação de alfabetização isolada, nem como ensino. Por outro lado, desconhece a realidade desta modalidade, quando entende que uma medida de ampliação de espaço físico é o que ela demanda. Há questões muito mais graves como, por exemplo, a forma como ela é tratada no Fundeb; ou a falta de prioridade de contratação efetiva de profissionais preparados para atuar com um público diferenciado de jovens e adultos trabalhadores, de idosos que desejam voltar aos processos de escolarização, de pessoas com deficiência, de adolescentes cada vez mais empurrados pelo sistema diurno para a EJA.

Quandom enfim, o texto apresenta alguma noção de que a política educacional brasileira precisa retomar o pacto federativo, a proposta é: “O governo federal definirá diretrizes gerais, enquanto sugestão, e Estado e Municípios aplicam se quiserem; porém, aqueles que as adotarem receberão maior parcela de parcela discricionária (que exceder a definida pela Constituição) no novo Fundeb”. Como pensar num pacto de melhoria da educação pública no país se o coordenador da política nacional apresenta um argumento de chantagem financeira? Isso já foi praticado inúmeras vezes e só tem contribuído para manter realidade de deficiência da qualidade dos sistemas municipais e estaduais.

No que concerne aos profissionais da educação, medidas polêmicas voltam a aparecer nesse programa, como é o caso da prova nacional para seleção de professores e da “Criação de programa de iniciação docente, estágio, residente e mentoria”. Iniciativas já problematizadas pelas entidades sindicais e de pesquisa do campo da educação, mas que seguem, sumariamente, desconsideradas como interlocutoras na construção deste programa.

Quanto ao Ensino Superior, não há nenhuma indicação de mudanças para as medidas que já vinham sendo implementadas e passaram a sofrer cortes ou foram ameaçadas pelo Golpe de 2016. Concluídas as afirmações deste programa acerca do que considera ser "investir maciçamente em educação", não há uma só referência à educação profissional dentro deste item 5. O documento de 62 páginas vai muito rapidamente mencionar formação profissional e tecnológica no item 10 quando trata do respeito à juventude. Isso indica a pouca compreensão da necessária articulação entre níveis, etapas e modalidades da educação brasileira para o enfrentamento mínimo do que se proclama, muitas vezes no texto, sobre a busca da educação de qualidade para todos.