Entrevista com Nalu Farenzena (GT 05) - eleições municipais 2016

Entrevista com Nalu Farenzena concedida ao portal ANPEd para reportagem de análise de propostas de candidatos à prefeituras municipais do país. Farenzena é professora da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e integrante do GT 05 da ANPEd (Estado e Política Educacional).

Como você tem visto a inserção da temática de educação nas campanhas das eleições municipais de forma geral?

Tenho acompanhado mais as propostas e debates para a Prefeitura de Porto Alegre, além de ter notícias/relatos sobre municípios maiores da Região Metropolitana de Porto Alegre.

Me parece que, para a educação, o que predomina são diagnósticos e propostas sobre a educação infantil, principalmente sua expansão, tendo em conta as metas do Plano Nacional de Educação (PNE) e as modulações dadas pelas demandas de cada território. A educação infantil é uma das áreas de atuação prioritária dos municípios, área esta que não consta como prioridade dos estados, embora os estados tenham o dever, juntamente com a União, de prestar assistência técnica e financeira aos municípios para garantir a oferta desta etapa da educação básica (art. 30, VI, da Constituição da República). De todo modo, diante das metas do PNE quanto à cobertura das duas etapas da educação infantil, bem como diante da implantação da obrigatoriedade escolar para as crianças de 04 e 05 anos de idade (faixa etária da pré-escola), é às prefeituras que tem sido cobrada, de modo contundente, a ampliação da oferta. As propostas dos/as candidatos/as abrangem as alternativas já colocadas em prática, prevendo a ampliação do atendimento: na rede pública municipal de ensino; por meio de convênios com instituições de caráter não lucrativo; por meio de compra de vagas em instituições particulares.

Outro tema que se destaca nas agendas programáticas referentes ao setor da educação é o da oferta da jornada escolar em tempo integral, na educação infantil e no ensino fundamental, uma vez que os municípios têm atuação residual no ensino médio. Encontram-se diferentes alternativas, em termos de número de escolas e número de alunos a serem atendidos, bem como no que se refere ao escopo organizacional e pedagógico das propostas.

Como pesquisadora do tema das políticas públicas de financiamento da educação básica, penso que as perspectivas de atuação das prefeituras na educação não são nada favoráveis, dados os limites na capacidade de financiamento da educação da maioria dos municípios, no Rio Grande do Sul e no resto do país. As campanhas revelam a existência destes limites, e eles explicam, pelo menos em grande parte, o fato de que as candidaturas apontem parcerias entre o setor público e o setor privado na oferta de educação infantil, assim como restrinjam a abrangência da jornada em tempo integral. A agenda do PNE contempla a institucionalização de uma série de instrumentos que, se criados, repercutiriam diretamente na capacidade de atuação das administrações municipais na educação: o aumento substancial no investimento público em educação; a lei do sistema nacional de educação; a lei da cooperação federativa na educação; a implantação do custo aluno qualidade (CAQ); a complementação da União para fins de atingimento do CAQ em todas as redes públicas. Ao invés de serem estes instrumentos os itens centrais na agenda governamental e decisória sobre políticas públicas de educação nos dias de hoje, estamos às voltas com uma série de proposições que vão na sua contramão, dentre as quais de destaca a Proposta de Emenda à Constituição nº 241/2016, a qual, se aprovada, e dentre um leque de consequências funestas, reduzirá significativamente os recursos de assistência financeira da União aos municípios na educação, comprometendo, portanto, a concretização de certas propostas mais ousadas nas gestões municipais.

Sobre as entrevistas realizadas pela ANPEd, de forma geral os candidatos parecem atentos as questões centrais da educação? 

Vou tomar como referência a agenda de políticas educacionais estabelecida no Plano Nacional de Educação, pois definir o que sejam questões centrais sempre depende de pontos de vista. Tomando, pois, como referência, o PNE, muitas das respostas vão na direção do cumprimento de suas metas, naquilo que concerne às responsabilidades municipais, com diversas gradações quanto ao detalhamento de ações mais concretas ou explicitação de diagnósticos que embasem propostas. Há evidência de conhecimento e embasamento no Plano Municipal de Educação, de parte de quatro candidatos. Um candidato parece desconhecer o PME e outro o avalia como deficitário. As ênfases, avalio, vão em várias direções: a ampliação do acesso à escola; condições de oferta educacional; qualidade da educação entendida de forma ampla; qualidade da educação por meio de ações mais pontuais ligadas a desempenho dos alunos; gestão de resultados.

No que diz respeito ao debate posto pelo movimento chamado escola sem partido, questão posta hoje também como central na agenda pública das políticas educacionais, as manifestações são polares: repúdio ou apoio; um candidato não respondeu à pergunta, talvez por falta de consenso sobre o tema na equipe coordenadora da campanha ou entre os partidos da coligação.

As entrevistas dos candidatos, de diferentes partidos, de alguma forma refletem as polarizações ideológicas que tomam conta da sociedade e redes atualmente?

Penso que sim, principalmente nas respostas dadas a três questões: escola sem partido; ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena; superação das desigualdades, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação.

Nas respostas à primeira, aparecem, como já dito, opiniões radicalmente opostas, desconhecimento do debate e omissão. Por exemplo, uma candidata faz críticas aos professores que doutrinam seus alunos e à abordagem ideologizada dos livros de história; outros candidatos adjetivam o movimento escola sem partido e suas proposições, de inoportunas, obscurantistas, conservadoras e inconstitucionais; um candidato registra que a educação deve ser laica, e não ideologizada (o que confunde conceitos); um candidato absteve-se de responder.

Quanto à pergunta sobre ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígena, há propostas mais concretas – oferta de formações continuadas, disponibilização de materiais didáticos –, respostas vagas – a implementação é frágil – e objeção quanto a sua importância – rejeição de propostas de valorização de minorias, pois implicam em desunião.

Nas respostas à questão sobre como, nas suas gestões, os candidatos levariam em conta a diretriz do PNE de superação das desigualdades, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação, as respostas deram mais ênfase à superação da desigualdade ou à erradicação da discriminação. No primeiro caso (desigualdade), um candidato referiu a importância de desenvolver políticas para as mães pobres, e outros sinalizaram propostas de inclusão social. No que concerne à superação de discriminações, houve menções ações voltadas para a população LGBTT, população indígena e público alvo da educação especial. Um dos candidatos manifestou contrariedade com o fato do PME não ter dado visibilidade à diversidade sociocultural, ou seja, ter sido muito genérico quanto aos marcadores de discriminações.

É lamentável que, num momento em que a sociedade política e a sociedade civil brasileiras deveriam estar mobilizadas pela implementação das medidas previstas no PNE, tenha sido dado um passo atrás, impondo-se uma nova agenda, conservadora, como a colocada pelo movimento escola sem partido. Essa tem levado a uma mobilização de reação e resistência, a qual, dia a dia, nos afasta, por exemplo, das deliberações sobre a criação de nova institucionalidade a partir da constituição do Sistema Nacional de Educação e da regulamentação da cooperação federativa na educação. Nas gestões municipais, concretamente, o adiamento ou secundarização destas definições terão repercussões negativas em termos de cumprimento das metas dos planos municipais de educação. No horizonte, além de sem partido muitas escolas e administrações municipais ficarão sem recursos, ou com menos recursos.

Algo lhe chamou mais atenção nas respostas?

Todos os pontos comentados acima me chamaram a atenção, principalmente aparecerem posições político-ideológicas bastante distintas, algumas polares. Além disso, cabe destacar as poucas referências à importância da cooperação federativa na educação, uma vez que dificilmente os municípios conseguirão dar conta de suas responsabilidades sem essa cooperação, principalmente a advinda do governo da União.

 

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