Posicionamento da ABAlf sobre a reposição de aulas remotas na Educação Básica

A Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd), por meio do Grupo de Trabalho Alfabetização, Leitura e Escrita (GT10), endossa o posicionamento o da Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf) no que tange às aulas remotas em tempos de pandemia e enfatiza a importância da discussão das questões destacadas no documento.

Ademais, reitera a necessidade de as redes de ensino, as escolas, os docentes e as famílias, conjuntamente, comprometerem-se com amplo debate sobre a garantia do efetivo direito de aprendizagem da leitura e da escrita das crianças, jovens, adultos e idosos durante e no pós-pandemia, como instrumento político que contribui para a inserção social e cultural de todas e todos como cidadãs e cidadãos.

Segue a nota da ABAlf 

Em posicionamento público, ABAlf discute a proposta de municípios e estados de implementar atividades remotas para alunos da Educação Básica.

A Associação Brasileira de Alfabetização (ABAlf), fundada em 2012, é uma organização que tem como objetivo articular, acompanhar e fomentar pesquisas e políticas públicas no campo da alfabetização, agregando a participação de atores e instituições envolvidos com essa temática. Por esse prisma, a ABAlf tem por princípio dialogar e agir junto aos que lutam por uma alfabetização que garanta os direitos de aprendizagens da leitura e da escrita a crianças, jovens, adultos e idosos de nosso país, como forma de exercício da cidadania.

Por isso, frente à realidade de Pandemia-COVID-19, que se impôs mundialmente, devemos colocar em plano secundário quaisquer questões que não sejam aquelas voltadas para o que se tem de mais fundamental: o direito à vida. Em defesa e garantia desse direito, todos/as que atuam na gestão educacional estão trabalhando em conjunto, para tomar medidas que minimizem os impactos à sociedade.

A ABAlf e todos/as que a compõem reconhecem os desafios que se apresentam quando, enquanto gestores, se tem como cenário um tempo incerto. As previsões são complexas e com elas as preocupações se avolumam. A OMS e o Ministério da Saúde não descartam um tempo longo de isolamento social e isso inevitavelmente trará prejuízos para o ano escolar. Com essa situação, tem-se visto a busca de alternativas com a Educação a Distância para as Universidades, por meio de Portaria do Ministério da Educação. Nessa esteira, alguns estados e municípios também estão implantando propostas de atividades remotas para a Educação Básica.

Embora entendamos a responsabilidade e compromisso que estão envolvidos nessas ações, elas se apresentam um tanto açodadas e homogeneizantes, pela ânsia de minimizar possíveis prejuízos de um longo período sem atividades escolares. A Medida Provisória, editada pelo governo federal em 1º de abril do presente ano, ao permitir que escolas e redes de ensino não cumpram o mínimo legal de 200 dias letivos de aulas presenciais, mas mantenham a carga horária de 800 horas, dá margem para a ampliação de propostas de atividades remotas, mesmo que as redes e os estudantes não tenham condições para tal.

Essas ações/orientações deslocam para professores e famílias responsabilidade que é da administração dos sistemas educacionais, sejam eles públicos ou privados. Além disso, estratégias desse tipo requerem dos professores domínio de ferramentas de comunicação virtual e digital, de mídias específicas e suas linguagens, que não se resolvem meramente do ponto de vista técnico. O uso delas aplicado à Educação requer formação específica e aprofundada, sob risco de ampliar e agravar as disparidades já existentes no sistema Educacional do país.

Assim, a ABAlf convida à reflexão: é preciso considerar que trabalho/aulas/atividades remotas, a dita “educação a distância”, requer tutores on-line, formação docente específica, plataformas on-line, material didático específico e público com conhecimento mínimo e condições de acesso a rede de Internet e dispositivos didáticos virtuais, o que não cabe nem na legislação nem nas realidades da maior parte dos alunos da Educação Básica no Brasil. A isso soma-se a etapa da alfabetização, que requer processo específico de interação constante entre professores e alunos, de modo que as ferramentas digitais apresentam limitação nesse sentido.

Desse modo, na emergência que se apresenta, a preocupação da ABAlf e de todos/as que atuam na alfabetização aponta para as seguintes questões: 1) como o docente irá planejar um ensino de emergência/remoto para as mais diversas realidades sociais de crianças, jovens, adultos e idosos, sobretudo àqueles cujo acesso à tecnologia inexiste ou é precário? 2) Como planejar e ressignificar as estratégias próprias de aulas presenciais, garantindo o acesso e a aprendizagem de todos? Alfabetizar exige afetividade, interação entre pares, jogos, brincadeiras, leituras, conversas, dramatizações, registros diversos, livros e outros materiais, portanto, como garantir que essas atividades ocorram de modo à distância? 3) Muitas dessas atividades, associadas às interações entre as crianças e entre as crianças e os professores, requerem a observação, participação complementação e intervenção dos professores, para se garantir e ampliar o processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, a aula remota é um padrão que não permite este gerenciamento pedagógico e essa observação fundamental para se avançar no processo de alfabetização.

Imaginar que os pais, porque estão em “quarentena” e supostamente em casa, vão assumir esse papel, é fechar os olhos para a maioria das famílias que se encontram assoberbadas com a preocupação pela sobrevivência (milhares não têm nem a alimentação básica, já que a merenda escolar era a garantia do sustento de suas crianças), além de desconsiderar as que não têm recursos que as propostas exigem, como equipamentos eletrônicos, redes wifi, e as que não apresentam níveis de escolarização e letramento elementares. Ademais, conduzir processos de ensino e aprendizagem escolar e didatizar saberes requer formação específica, obtida em curso de licenciatura reconhecido pelos órgãos competentes, portanto, são apenas os professores que têm essa formação.

Em vista do exposto e dos problemas apontados, destacamos uma última questão: as ações que estão sendo implementadas terão algum resultado positivo? Serão eficazes? Ou a eficácia será relativa e para quais grupos sociais?

É lícito externar que mesmo reconhecendo nas tecnologias grandes possibilidades de construção de conhecimentos, ao considerar a realidade da maioria dos estudantes brasileiros da Educação Básica, esse formato de reposição/compensação remota/educação a distância acentuará a exclusão social, já que serão tratados de forma desigual os já desiguais. É justamente em relação a esse resultado que a ABAlf se contrapõe.

Reconhecemos que as Secretarias estaduais e municipais possuem um quadro técnico competente, mas que nesse momento precisam voltar-se a articular/propor estratégias outras que venham a garantir os direitos de aprendizagens dos milhões de estudantes da Educação Básica, especialmente os alfabetizandos, cada uma com sua realidade, de modo a alcançar uma efetiva aprendizagem.

A ABAlf coloca-se à disposição para o diálogo permanente no sentido de contribuir com o que for necessário

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