UPMS na 39ª ANPEd constrói laços de saberes descolonizados com a presença de 40 movimentos sociais

por João Marcos Veiga/ANPEd

A 39ª Reunião Nacional da ANPEd teve como um de seus momentos mais marcantes a realização de uma sessão pública da Universidade Popular dos Movimentos Sociais (UPMS) em meio à programação oficial do evento, reunindo representantes de cerca de 40 movimentos sociais de todo o país e pesquisadores de Grupos de Trabalho da Associação. O auditório lotado transbordava a voz de organizações sociais vinculadas à arte, juventude, moradores de rua, travestis e transexuais, negros, indígenas, assentados, educadores, dentre muitos outros. “Katurité asemu yta. Parente” A palavra escolhida para nomear o grupo foi apresentada pela cacique Eronilde Fermin, liderança dos Omagua, do alto Solimões, trazendo a cosmovisão indígena brasileira de que todos somos parentes porque “a sua dor é a minha dor, e a minha dor é a sua dor.” O seu problema é o meu problema, e o meu problema é o seu problema. Frente aos assassinatos frequentes de ativistas e à tentativa de criminalização de movimentos de defesas de minorias e do meio ambiente, tal união reverberava em cada um dos presentes, incluindo o sociólogo Boaventura de Sousa Santos. Ao final do ato, foi entregue uma carta à presidência da ANPEd com demandas à Associação, como o compromissão de novas oficinas da UPMS nas próximas reuniões, mais espaços aos movimentos sociais e nos materiais institucionais.

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O emocionante ato público foi resultado de dois dias de oficinas da UPMS em Niterói promovida pela ANPEd, com articulação de sua Segunda Secretária, Maria Luiza Sussekind, com apoio do CEASM/Museu da Maré e SEPE/Niterói. As atividades respiravam novas formas de articulação de saberes e práticas, nas quais os presentes compartilhavam histórias, bagagens de conhecimentos diversos, refeições, choros e abraços. Juntos, se encharcaram pela experiência do outro, reverberaram vozes, dores e anseios de lutas conduzidas nas mais diferentes frentes no país, trabalhando na prática a defesa do acolhimento de epistemologias distintas, deslocando pensamentos e privilégios. 

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“A realização da UPMS como parte da programação da Reunião Nacional da ANPEd me surpreendeu, pois há muitos anos participando da ANPEd ainda não havia me deparado com uma atividade tão diferenciada, de reconhecimento da importância do diálogo entre pesquisadores representantes dos Grupos de Trabalho e integrantes de movimentos e organizações sociais”, contou Salomão Hage (UFPA), pesquisador Geperuaz - Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Educação do Campo na Amazônia.  “A oficina da UPMS foi uma oportunidade de reunir pessoas dos movimentos sociais e da academia, dispostas a dialogar e enfrentar este desafio de construir, coletivamente, alternativas e a alianças a favor de um outro tipo de educação, de maior justiça social. Como não voltar transformada?”, relatou Andréa Lapa (UFSC).  Edite Faria (UNEB), do GT 18, também foi enfática: "Foi divisor de águas no meu percurso acadêmico, profissional e especialmente humano. Compartilhar saberes, fazeres e dizeres em 30h de trabalho coletivo reverberou na minha vida de maneira radical!" 

Um pé de jabuticabeira, que esteve presente durante toda a oficina, simbolizando a luta daqueles que já se foram e o cultivo de um futuro de justiça social, foi plantado na UFF em Niterói após a sessão pública. “Essa árvore simboliza a união da vida e da morte. Cada golpe que sofremos é um ânimo para a nova luta. E quanto mais ativistas morrerem, mais vão surgir”, afirmou Boaventura de Sousa Santos na ocasião.

A UPMS nasceu em 2001 no Fórum Mundial Social, a partir de proposta do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos. Ao longo de quase duas décadas de existência, a UPMS realizou dezenas de atividades e oficinas em países da América Latina, África, Europa e Ásia, contando com a participação de mais de 800 movimentos, organizações, entidades, ativistas, artistas e intelectuais militantes de todo o mundo. Mas a atividade na ANPEd foi inédita enquanto inserção direta num evento acadêmico e científico de grande peso nacional. “Uma experiência ousada e pioneira de ‘extensão ao contrário’, que ocupou a universidade com a poderosa presença dos saberes que nascem das lutas sociais e que pode vir a inspirar muitas outras associações de pesquisadores a também estabelecerem canais de comunicação direta, horizontal e democrática com os que lutam contra as múltiplas formas de opressão e injustiça de nossos tempos”, afirma Fábio Merladet, ativista da UPMS que defende tese acadêmica exatamente analisando tais mobilizações.

A UPMS não possui sede, professores, grades curriculares e alunos. Aberta a quem quiser recebê-la, tem como condição única se inserir num contexto não de mérito acadêmico, mas de autonomia e reconhecimento da potência do ativismo social. “A UPMS se define como um bem comum dos movimentos sociais na luta por outro mundo possível e constitui um espaço para o aprofundamento da reflexão, do debate democrático de ideias, da formulação de propostas, da troca livre de experiências e do diálogo e articulação para ações eficazes de ativistas, intelectuais, artistas, entidades, organizações e movimentos sociais locais, nacionais e globais que se opõem ao capitalismo, ao colonialismo, ao patriarcado e a todas as formas de opressão”, explica Merladet.

Em entrevista ao portal da ANPEd e à RBE prévia à Reunião Nacional, Boaventura afirmou que um dos objetivos da criação da UPMS também era diminuir ou atenuar os preconceitos entre os diferentes conhecimentos populares, como movimentos indígenas, MST e outros. Para fortalecer os movimentos sociais era preciso que se e que se conhecessem e entendessem melhor. Tendo em vista a necessidade de descolonizar os saberes sem que os sujeitos universitários tivessem voz prioritária, as oficinas passaram a contar com dois terços de ativistas ou líderes de movimentos sociais, sempre diferentes, e um terço acadêmicos, sem aulas, com discussões abertas em busca de temas de interesse comum e propostas para os próprios movimentos. “São eles que estabelecem uma agenda e fazem uma discussão onde os acadêmicos não podem dar aulas, porque ninguém pode falar mais do que uns poucos minutos, mas onde se criam rodas de conversa dos vários conhecimentos que circulam”, explicou.

Lista de movimentos sociais participantes da oficina da UPMS na Reunião Nacional da ANPEd

ADUFF/SINTUFF

DCE/UFF

MST RIO

LEVANTE POPULAR DA JUVENTUDE

UNE

UNIDADE POPULAR

MOVIMENTO NACIONAL DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA

COMITÊ MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA DA ESCRAVIDÃO

ANISTIA INTERNACIONAL

SOS EMPREGOS LESTE FLUMINENSE

OKAS - ORGANIZAÇÃO GERAL DOS KAMBEBAS DO ALTO SOLIMÕES

ORGANIZAÇAO DOS INDIGENAS DA BACIA DO RIO IÇANA

COMISSÃO NACIONAL PARA O FORTALECIMENTO DAS RESERVAS EXTRATIVISTAS E DOS POVOS EXTRATIVISTAS COSTEIROS E MARINHOS (CONFREN)

JORNAL COMUNITÁRIO O CIDADÃO

TEATRO NA LAJE

BEM TV

ANTRA - ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE TRAVESTIS E TRANSEXUAIS 

GDN

PAREM DE NOS MATAR

PROJETO CARDUME SÃO GONÇALO

FÓRUM NACIONAL POPULAR DE EDUCAÇÃO

DESPEJADOS DO PRÉDIO DA CAIXA

TVT

CENTRO DE ESTUDOS E AÇÕES SOLIDÁRIAS DA MARÉ/
PRÉ-VESTIBULAR COMUNITÁRIO

COLETIVO ENEGRECER

ORQUESTRA DE CORDAS DA GROTA

RECONSIDERE - COLETIVO DE EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA

CIRCUITO CARIOCA DE FEIRAS ORGÂNICAS

CIRCO CRESCER E VIVER

COOPERAÇÃO SOCIAL DA FIOCRUZ

COMITÊ INTERNACIONAL PAZ, JUSTIÇA E DIGNIDADE DOS POVOS - CAPÍTULO BRASIL

DEPARTAMENTO GERAL DE AÇÕES SOCIOEDUCATIVAS- DEGASE

FOSPA - FÓRUM SOCIAL PAN-AMAZÔNICO

PROJETO CONSTRUINDO SABER

ASSOCIAÇÃO COLETIVO ESCOLA FAMÍLIA AMAZONAS

TV 247

CEAAL