UPMS na 39ª ANPEd - relato de Ceane Andrade Simões

Senhas

 

Eu não gosto do bom gosto
Eu não gosto do bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto
Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infratores e banidos
(...)

Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem 

(Adriana Calcanhoto)

 

por Ceane Andrade Simões

Associada ANPEd – GT 12

Coordenadora do Coletivo Escola Família Amazonas. Professora da Universidade do Estado do Amazonas

A experiência de viver a UPMS pode significar muitas coisas para os seus praticantes, para mim significou o achado das senhas. O que importa nestes momentos de fragmentação e retrocesso social, senão a assunção do estar juntos como potência existencial, amorosa e política? Fissurando as barreiras que separavam diferentes sujeitos individuais e coletivos atuantes em várias frentes de lutas por justiça social, econômica e cognitiva, a UPMS tornou-se campo aberto de alteridades, onde, sutil e lentamente, fomos tecendo o comum. As divergências e desconfianças foram honesta e respeitosamente colocadas à mesa. A dualidade, ora ficcionalizada, ora concreta da relação “academia” e movimentos sociais foi posta à prova: somos muitos, somos diferentes, divergimos e nos confrontamos, por vezes, mas o que nos une é bem maior e foi essa a emergência surgida nos três dias de imersão proporcionados na oficina.

Ressocializamos as nossas sensibilidades, deixamos-nos habitar pelas emoções, sensações e intuições. Rimos, choramos, dançamos e nos alimentamos juntas. Pessoas que se abriram e se deixaram encharcar pelas experiências das outras, deslocando pensamentos e o seu lugar de privilégios. A ex-moradora de rua, a drogadita, a travesti, a defiça, a indígena, a mulher do povo de axé, a mulher negra, a acadêmica, a mãe – pessoas atravessadas por muitas interseccionalidades –, com seus corpos, suas falas e seus silêncios, criaram efeitos intangíveis (nas palavras de Luli, essa mulher audaciosa) e que se acomodam em sucessivas ondas em minha subjetividade. Daí as senhas: Eu gosto dos que têm fome / Dos que morrem de vontade / Dos que secam de desejo / Dos que ardem. 

 

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