BNCC, Ensino Médio, FNE e CONAE18: eventos inaugurais? - por Luiz Carlos de Freitas (UNICAMP)

por Luiz Carlos de Freitas. Texto publicado originalmente no blog Avaliação Educacional.

Constitui-se no Brasil, de forma agora mais definida, a era da reforma empresarial da educação. Este processo vem sendo configurado desde 2006, com a criação do Movimento Todos pela Educação. Eventos como a implantação da BNCC e sua política, a reforma do ensino médio e os atuais acontecimentos envolvendo o CNE, o FNE e a CONAE18, podem bem ser marcas mais definitivas da “nova” era.

Há pouco tempo, o MEC alterou a composição do Conselho Nacional de Educação (veja aqui). Tentando economizar munição, procurou ser hegemônico no Fórum Nacional de Educação – FNE – por ocasião da aprovação do texto base da CONAE18 (veja aqui). Perdeu e resolveu, desta feita, não economizar munições alterando a própria composição do FNE e legislando a CONAE18 por Decreto (veja aqui e aqui). É uma demonstração de força que custará ao MEC ter contra sua politica pelo menos 25 entidades e organizações de educadores, cada uma delas com seu poder de penetração na área.

Outros eventos inaugurais ocorrerão: destaco aqui a constituição do sistema nacional de educação e a lei de responsabilidade educacional, em tramitação no Congresso.

Não se discute que um governo (que fosse legítimo) pudesse desenvolver sua política e alterar a composição de órgãos a ele ligados. A questão é que, no caso de um governo legítimo, seu programa passou pelo crivo do voto, é produto de uma disputa eleitoral e o vencedor tem sua proposta referendada pelo voto. Isso, é óbvio, o credencia a ter alguns direitos para implementar um programa eleito.

O governo Temer não só não passou pelo crivo do voto, mas um programa semelhante ao que ele está implementando agora na área da educação foi proposto pelo PSDB e foi derrotado nas últimas eleições presidenciais. Portanto, ele, em si, é a imagem do estelionato eleitoral. Foi eleito com um programa completamente diferente do que implementa e que abandonou para, oportunistamente, chegar ao poder e promover exatamente o programa da oposição que ele derrotou no processo eleitoral. Não tem legitimidade para governar. Portanto, a comparação com governos legítimos não pode ser feita.

Em segundo lugar, há formas e formas de se governar. Nem tudo que se pode fazer quando se está no poder, deve ser feito. O recurso a Decretos e Portarias para alterar unilateralmente regras construídas coletivamente, revela um viés autoritário que, como se sabe, é usado por aqueles que não têm argumentos, como diz Pedro Goergen.

Finalmente, há que se agregar que para os atuais ocupantes do MEC, os educadores profissionais não são interlocutores na política educacional. Isso é uma característica da reforma empresarial da educação em todos os lugares e que visa retirar influência das entidades organizadas dos educadores. Os reformadores, ignorando a complexidade do fenômeno educacional, acham que os educadores profissionais não conseguiram resolver o problema da qualidade da educação e, portanto, devem ser afastados do processo e substituídos por aqueles que têm a “verdadeira” solução: gestores imbuídos de “imparcialidade”, objetivos, voltados para aplicação de soluções “comprovadas” no cenário internacional. É uma questão de fé nos métodos de gestão privada da educação.

Estamos na era da reforma empresarial da educação. Vai passar, mas não é rápida. Tais políticas, são, em geral, políticas de ciclo longo e para tal, a resistência deve ser organizada com este horizonte. Pode ser que não tenhamos vitórias no curto prazo, mas ela está assegurada no longo prazo, se houver mobilização correta. Todas as “ideias” dos reformadores não têm promovido a qualidade da educação, e em alguns lugares elas já estão na terceira década, prometendo que “um dia” darão os resultados que ainda proclama hoje. Os seus efeitos colaterais têm sido desastrosos.

Mais um último ponto: a luta contra os reformadores não será vitoriosa sem os pais, professores e estudantes. Portanto, não adianta pensar que organizando as lideranças poderemos enfrentar este movimento. Esta organização só tem sentido se for para chegar às massas de alunos, professores e pais. O enfrentamento é de baixo para cima. Portanto, é hora de organizar-se para mobilizar para baixo. Não há mais interlocução com o governo, ele se isolou e se apoia cada vez mais em parceiros “confiáveis”.

Neste processo de luta, teremos que levar em conta que a forma de atuação dos novos conservadores se faz hoje de maneira pulverizada, através da disseminação de ideias por meio de uma miríade de organizações sociais, institutos e fundações, com cobertura da mídia e com uma ação organizada no próprio Congresso (Frente Parlamentar de Educação; Comissão de Educação da Câmara e do Senado, etc. que promovem projetos de lei do interesse dos reformadores empresariais e atuam em parceria com o Ministério da Educação – ou seus equivalentes nos Estados e Municípios).

É uma mobilização na forma de redes de influência que atua diretamente na constituição de um senso comum de massa que fornece as justificativas para a reforma. Temos que aprender a lidar com esta nova realidade: por um lado o governo exclui os interlocutores clássicos dos educadores profissionais, por outro, amplia a participação dos “parceiros confiáveis” e distribui sua influência pela rede de ONGs, institutos e fundações financiadas pela iniciativa privada (viabilizando para ela acesso aos recursos públicos na forma de políticas que privatizam a educação – vouchers, escolas charters e similares), com apoio da mídia e das leis que são feitas no Congresso. Eis o que teremos pela frente.