Entrevista com José Gllauco Smith | "Horizontes pós-coloniais da Pedagogia do Oprimido e suas contribuições para os estudos curriculares" | RBE V.23 | setembro de 2018

A Revista Brasileira de Educação (RBE), publicada em fluxo contínuo e digital, traz em seu volume 23 no mês de setembro de 2018 o artigo "Horizontes pós-coloniais da Pedagogia do Oprimido e suas contribuições para os estudos curriculares" (clique aqui para acessar o texto na íntegra). A pesquisa é de autoria de José Gllauco Smith, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, São Paulo do Potengi (RN) e Marta Maria Castanho Almeida Pernambuco, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) que faleceu no mês de maio deste ano. Em entrevita ao portal da ANPEd, José Gllauco Smith fala sobre as afinidades entre o pensamento pedagógico de Paulo Freire e as teorias pós-coloniais desenvolvidas no artigo e, ao final, sobre o próprio trabalho e legado da professora Marta Pernambuco.

A “Pedagogia do Oprimido” foi escrita por Paulo Freire em fins dos anos 60. Qual o contexto deste trabalho na vida do autor e do Brasil e como isso influenciou a perspectiva apresentada ali?

José Gllauco Smith: Essa pergunta me faz refletir sobre um ponto bastante importante que, em muitos casos, passa despercebido por uma parcela considerável de leitores e de leitoras não apenas da obra de Paulo Freire, mas de todo(a) intelectual, qual seja: o de que a obra escrita de alguém, esteja ela inserida em quaisquer campos do conhecimento, reflete tanto a subjetividade de quem a produziu quanto o espírito do tempo em que foi produzida. É amparado nessa perspectiva que interpreto a “Pedagogia do Oprimido”, assim como todo o conjunto da obra paulofreireana, pois não já como apartar as experiências de vida dos sujeitos, suas impressões sobre o vivido e o contexto histórico no qual se deu a experiência de “estar sendo no mundo”, para utilizar uma expressão inerente ao discurso de Paulo Freire.

Convém dizer, diante disso, que a “Pedagogia do Oprimido” foi escrita durante os anos iniciais do exílio de Paulo Freire no Chile, trazendo em suas páginas o “coração de um tempo” marcado pela busca da liberdade e da humanização das pessoas. Exemplos disso não faltam: (a) a luta pela independência dos povos africanos que rebelavam-se contra o domínio colonialista europeu (inglês, francês e português); (b) o movimento de mulheres que lutavam pela desconstrução das estruturas socioculturais machistas e patriarcais que, simbólica e concretamente, as colocavam em posições de inferioridade perante os homens, e; (c) os muitos movimentos antirracistas, libertários, antiditatoriais e anti-imperialistas espalhados pelo mundo, a exemplo do movimento de maio de 1968 na França.

Todos esses movimentos, e outros, como a Primavera de Praga; os intensos movimentos estudantis brasileiros contra o regime ditatorial; a luta por direitos civis e sociais no coração do império estadunidense, por exemplo, contestavam os status quo social em que se localizavam, questionando e denunciando as estruturas de opressão que furtavam a dignidade e a humanidade dos seres humanos. Não podemos esquecer, nesse sentido, que as reflexões proporcionadas pela “Pedagogia do Oprimido” também reverberou as preocupações de Paulo Freire quanto aos contextos da América Latina, especialmente aos do Brasil e sua Região Nordeste, todos eles marcados pela dominação imperial, pelas estruturas sociais, culturais e políticas produtoras e reprodutoras de agudas desigualdades e pela expansão de regimes políticos ditatoriais implantados a partir de 1964.

Foi o espírito desse tempo, portanto, que promoveu, em meu entendimento, a emergência e a grande difusão da “Pedagogia do Oprimido”, livro no qual observo uma concepção de educação insubmissa a quaisquer formas de dominação, de opressão e de subalternidade. De igual modo, considero que essa obra, em particular, estimula a  reescrita de uma narrativa educacional como projeto político capaz de romper com as plurais formas de desumanização e com os diversos matizes da colonialidade, ampliando a discussão em torno de princípios e de práticas socioeducacionais que privilegiam a dignidade humana, a liberdade e a justiça social. Daí porque acredito que há, nesse livro, uma “pulsão de vida” para o desdobramento de uma educação como prática da liberdade propulsora de uma consciência crítica capaz ler consciente e concretamente o mundo.

Tal obra caminha no sentido de uma pedagogia construída com os sujeitos subalternizados, oprimidos, silenciados, tendo o diálogo como práxis. De que forma isso dialoga com uma perspectiva pós-colonial de currículo?

Penso que a “Pedagogia do Oprimido” já nasceu pós-colonial em razão de tudo o que abordei na questão anterior. Nessa direção, enxergo nessa obra um elemento crucial que a aproxima de uma perspectiva pós-colonialista do currículo escolar, qual seja: a defesa veemente do protagonismo social e cognitivo das pessoas oprimidas e subalternizadas no curso da construção do próprio conhecimento. Esse protagonismo demanda, a meu ver, um processo de empoderamento individual e coletivo mobilizador da conquista e da consolidação dos espaços de fala e de visibilidade, de modo a cooperar para a construção de uma prática educacional pós-colonialista que valorize a voz, a presença e as percepções de mundo dos sujeitos como pontos de partida para o desenvolvimento de atividades curriculares humanizadoras. Em outras palavras, significa descontruir a opressão pelo empoderamento e a subalternidade pelo uso da própria voz, por intermédio de uma ação educativa dialógica porque crítico-problematizadora das realidades sociais, culturais, políticas e econômicas em que se acham imersos os sujeitos do ensino e da aprendizagem.

Com efeito, entendo que transcorre dessa compreensão de educação uma visão crítica sobre o plano curricular, que passa a ser concebido, consoante defendo, como uma “política do conhecimento” estritamente vinculada aos processos de problematização da realidade com vistas à superação das relações de opressão e de subalternidade a ela inerentes. Nesse prisma, compreendo o currículo escolar a partir de uma perspectiva declaradamente emancipatória, na medida em que se fundamenta na possibilidade de os sujeitos transformarem o status quo vigente por meio de uma educação potencializadora da leitura e da ação crítica do e sobre o mundo. É nesse ponto em que o diálogo, tão valorizado por Paulo Freire na “Pedagogia do Oprimido” representa um momento capital por meio do qual quem é impedido de falar, possa falar; quem é impedido de ser escutado, possa se fazer ouvir; e quem está em situações de invisibilidade, possa ser visto.

Nesses termos, acredito que a pedagogia dialogal paulofreireana é uma das características mais potentes de um currículo escolar pós-colonialista, haja vista que promove a “alteridade discursiva” necessária a um “balbucio curricular” emitido pelos oprimidos e subalternizados como possibilidade para a construção do próprio discurso, do próprio testemunho sobre o mundo, o que significa defender a enunciação de uma narrativa educacional capaz de recuperar histórias locais e suas contradições como produtoras de conhecimento e como caminho para a desconstrução das condições de invisibilidade e de silêncio.

O currículo e sua construção é um campo de disputas e tensionamentos permanentes. Qual a importância de se incorporar pilares da “Pedagogia do Oprimido” e o que ela questiona das bases curriculares vigentes?

Considero essa pergunta muito importante porque me permite esclarecer dois pontos que ainda não são plenamente compreendidos por parcela significativa dos profissionais da educação. O primeiro se refere a uma acepção simplificada sobre “currículo”, quase sempre concebido como um conjunto de disciplinas dispostas naquilo a que, equivocada e ideologicamente, convencionou-se denominar “grade curricular”. Veja, esse entendimento é reducionista porque: (a) desconsidera a flexibilidade curricular ao subentender que as disciplinas são estanques, presas a algo fixo, rígido e impenetrável, e é por esse pretexto que essa compreensão é equivocada, e; (b) oculta, invisibiliza e silencia o mirante ético, axiológico e político-pedagógico inerente ao planejamento, à organização e à prática curricular, o que demonstra, consciente ou inconscientemente, o aspecto ideológico desse entendimento. Essa última razão já prenuncia o segundo ponto do meu esclarecimento, que, coincidentemente, atrela-se à afirmativa que inaugura esta pergunta: “O currículo e sua construção é um campo de disputas e tensionamentos permanentes”.

Nesse sentido, é imprescindível confirmar o currículo como prática social não apenas integrante, mas também enraizada em um campo científico em permanente disputa, fato que oportuniza entendê-lo como um espaço no qual diferentes agentes buscam produzir, reproduzir e legitimar determinadas concepções sobre o plano curricular. Em acréscimo a esse raciocínio, isso significa a tentativa da consolidação em torno de certas concepções de mundo com vistas à produção de consenso e hegemonia no âmbito das ideias pedagógicas e, por extensão, das práticas educacionais, já que o plano curricular opera como o núcleo e o espaço central mais estruturante da função da escola.

Assim, sendo o currículo o espaço central mais estruturante da função da escola, as discussões sobre quais devem ser seus conteúdos são polissêmicas, gerando, nesses termos, permanentes embates em torno daquilo que se considera necessário conhecer em dado momento sociohistórico. Por isso, o currículo passa a ser alvo de disputas das mais diversas, constituindo-se em um conflituoso microcosmo no interior do campo científico, conforme já sinalizei anteriormente.

Consubstanciando essa perspectiva, considero o currículo como arena conflitiva, na qual contracenam-se tradição e ruptura, continuidades e descontinuidades, traduzindo-se em um espaço por meio do qual diferentes visões de mundo, de ser humano e de sociedade disputam hegemonia e incidem, diretamente, na elaboração de sentidos para palavras como “educação”, “escola”, “conhecimento”, “currículo”, “ensino” e “aprendizagem”. Tais palavras, além de constituírem o vocabulário pedagógico de uma época determinada, condicionam a ação formativa escolar, que, por sua vez, produz efeitos de poder sobre pessoas, construindo identidades e subjetividades sociais específicas, nos direcionando, também, para uma pergunta de peso no âmbito do embate curricular: “tem mais valor o conhecimento de quem?”.

Mediante ao exposto, acredito que a incorporação do legado político-pedagógico de Paulo Freire no interior da discussão curricular vem cooperar para a problematização da indagação que finaliza o parágrafo anterior, tendo em vista que, em minha opinião, o núcleo de sua pedagogia é a voz dos oprimidos como ponto de partida para a organização de um currículo popular crítico e atuante no que se refere às possibilidades de superação das estruturas existenciais que inviabilizam uma vida digna para milhões de pessoas. Desse modo, penso que as contribuições do conjunto de sua obra ecoam a necessidade do permanente questionamento crítico, dialógico, insubmisso e combatente a quaisquer manifestações de opressão e de subalternidade que, porventura, as bases curriculares vigentes venham a produzir e a reforçar.

É nesse sentido que enxergo a importância do pensamento de Paulo Freire no âmbito dos estudos e das práticas curriculares, uma vez que assevera o diálogo com a esfera do mundo vivido como momento inicial para o desdobramento de situações gnosiológicas no espaço-tempo da escola, por meio das quais o mundo humano possa ser apresentado como objeto de questionamento, de “admiração” e “re-admiração” crítica sobre os problemas impeditivos à humanização dos sujeitos. Daí porque assevero que uma ação curricular imersa no diálogo problematizador com a realidade seja capaz de contribuir para o processo de conscientização das pessoas em torno de suas condições sociais, de modo que, ao apreenderem as razões de ser da realidade em que se encontram inseridos, apreendam, também, seus desafios e responsabilidades diante do contexto social a ser transformado. São essas e outras questões (aqui não discutidas) que sustentam, portanto, a relevância de se incorporar pilares da “Pedagogia do Oprimido” no campo de disputas e tensionamentos que caracteriza o currículo.

No atual contexto do país, o pensamento de Paulo Freire é tido como inimigo a ser combatido pelo governo recém-eleito. O que isso diz sobre nossos tempos? E qual a importância de se voltar a seus apontamentos, agora?

Acredito que o embasamento do discurso criminalizante direcionado ao pensamento de Paulo Freire é totalmente equivocado e esvaziado por várias razões, dentre as quais destaco: (a) a falta de conhecimento sobre o mirante axiológico que fundamenta os aspectos teóricos e epistemológicos de sua vasta produção escrita; (b) a falta de conhecimento sobre sua práxis como Educador da Esperança eticamente engajado e preocupado com os anseios humanos dos “esfarrapados do mundo”, para os quais coerentemente dedicou a escritura da “Pedagogia do Oprimido”; (c) o preconceito deliberado que impede a adoção de uma postura empática diante de sua extensa obra tanto teórica quanto prática, e; (d) a cegueira ética consentida que impede a visualização de sua luta incansável pela recuperação, valorização, manutenção e ampliação da dignidade humana em suas plurais formas de manifestação.

A partir desse pensamento, cabe acrescentar, de maneira bastante incisiva, que o ódio e o estereótipo gratuitamente proferidos contra o pensamento político-pedagógico de Paulo Freire ajuízam um imaginário social brasileiro consubstanciado nos alicerces históricos da Casa Grande e da Senzala, os quais deram e ainda dão sustentação a uma estrutura societária que produz e reproduz a inferioridade simbólica dos oprimidos e dos subalternizados desde a nossa conquista e usurpação.

No horizonte dessa perspectiva, considero oportunas as palavras de Darcy Ribeiro, quando refletiu sobre o atraso civilizacional da nossa sociedade, bem como sobre nossa própria constituição como povo brasileiro. Disse ele: “O ruim aqui, e efetivo fator causal do atraso, é o modo de ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população, desde sempre sangrada para servir a desígnios alheios e opostos aos seus. Não há, nunca houve, aqui um povo livre, regendo seu destino na busca de sua própria prosperidade. O que houve e o que há é uma massa de trabalhadores explorada, humilhada e ofendida por uma minoria dominante, espantosamente eficaz na formulação e manutenção de seu próprio projeto de prosperidade, sempre pronta a esmagar qualquer ameaça de reforma da ordem social vigente”[1].

As palavras de Darcy Ribeiro são muito pertinentes para pensarmos o tempo presente, especialmente no que se refere à atual conjuntura social, cultural e política brasileira, profundamente cindida e marcada pelo ódio aos de baixo e a todos aqueles que com eles estabelecem laços solidários. Ademais, convém dizer, diante disso, que em tempos de ascensão política de uma “elite do atraso”[2] sempre atenta e disposta a perpetuar seus projetos de poder a quaisquer custos, os primeiros inimigos a serem combatidos são justamente aqueles que se contrapõem e denunciam, a exemplo de Paulo Freire, os privilégios seculares dos estratos sociais dominantes, seus interesses obtusos e seus pactos reacionários para se manterem no topo da hierarquia social por meio de moralismos conservadores e de mentiras claramente ideologizantes.

Com base nessa percepção, ficam devidamente claras algumas das razões para que o governo recém-eleito desvirtue e desqualifique o ideário político-pedagógico de Paulo Freire, rotulando seu pensamento como algo perigoso porque subversivo (para quem?) e estimulador da desordem social. Trata-se, em meu entendimento, de mais uma estratégia de criminalização de um legado propulsor do agir político consciente, que reverbera uma mensagem de esperança, de solidariedade e de luta contra a colonização do ser e o defloramento da vida. Por fim, Paulo Freire nos ensinou que a história não é um tempo de determinismos, mas sim de possibilidades, e revisitar a sua obra, hoje, significa reinventar a esperança e a ação democrática diante do prenúncio de tempos sombrios, pois, como ele próprio esperançou: “nossa luta de hoje não significa que necessariamente conquistaremos mudanças, mas sem que haja essa luta, hoje, talvez as gerações futuras tenham de lutar muito mais. A história não termina em nós: ela segue adiante”[3].

O artigo em questão, publicado na RBE, foi escrito em co-autoria com a Professora Marta Pernambuco (UFRN), que nos deixou recentemente. O que este artigo, o pensamento de Paulo Freire e a defesa de uma Pedagogia do Oprimido dizem sobre a vida e trajetória profissional de Marta?

Essa é uma pergunta que me emociona e que me faz viajar ao mundo das memórias, deixando meus olhos marejados enquanto a repondo. Tive meu primeiro contato com Marta Pernambuco no ano de 2008, quando estudei a disciplina “Didática” no Curso de Licenciatura em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Desde então, aquela Professora, que nos provocava intelectualmente no sentido de sermos sujeitos ativos na construção dos nossos próprios conhecimentos, ganhou o meu respeito, o meu carinho e a minha profunda admiração.

Quando concluí, no ano de 2011, o Mestrado em Ciências Sociais, fui instruído, pela Professora Irene Alves de Paiva (AMIGA de Marta no mais nobre e amplo sentido dessa palavra), a prestar seleção para o Doutorado no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGEd) da UFRN. A princípio, relutei, pois estava cansado física e intelectualmente em razão da dupla jornada de estudos à qual me submeti entre os anos de 2009 e 2011, isso porque, como já era formado em Pedagogia, prestei seleção e fui aprovado para o Mestrado em Ciências Sociais ainda quando estava na metade da Graduação nessa área do conhecimento.

Diante desse processo, a Professora Irene, além de ter me estimulado à realização do processo seletivo para o Doutorado em Educação, foi a ponte entre Marta e eu, tendo em vista que ela já conhecia minhas inclinações intelectuais quanto ao estudo da obra de Paulo Freire, e, como já trabalhava com Marta (PE, como carinhosamente a chamava) no Grupo de Estudos Práticas Educativas em Movimento (GEPEM), me informou que havia uma vaga para a linha de pesquisa por meio da qual Marta Pernambuco realizava seus estudos sobre o pensamento de Paulo Freire. Enfrentei meu cansaço, prestei seleção para o Doutorado em Educação e, para minha surpresa, fui aprovado.

Daí começou não somente um processo de orientação acadêmica, mas uma relação de amizade, de respeito, de solidariedade e de diálogo, pois era assim que Marta Pernambuco tratava a todos sem distinção. Desse processo, resultou minha tese de doutoramento, na qual argumentei a possibilidade de um currículo pós-colonial a partir do pensamento de Paulo Freire, o que, na verdade, constituiu um complemento mais aprofundado ao que defendi em minha dissertação de Mestrado em Ciências Sociais, orientada pelo Professor José Willington Germano.

O artigo “Horizontes pós-coloniais da Pedagogia do Oprimido e suas contribuições para os estudos curriculares” traz um recorte da tese de doutoramento orientada por Marta Pernambuco, que, diga-se de passagem, ficou bastante feliz quando soube que o artigo supra seria publicado em um periódico de alta qualificação e respeito nacional e internacional perante a comunidade acadêmica do campo educacional. E “o que este artigo, o pensamento de Paulo Freire e a defesa de uma Pedagogia do Oprimido dizem sobre a vida e trajetória profissional de Marta?”. Uma expressão para essa pergunta: coerência entre o dizer e o fazer.

Paulo Freire nos ensinou que “é fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal forma que, num dado momento, a tua fala seja a tua prática”[4]. E essa foi a postura de vida de Marta Pernambuco dentro e fora dos espaços acadêmicos: um ser humano profundamente coerente, ético e de amorosidade aflorada para quem sabia enxergar para além das aparências. Este artigo, o pensamento de Paulo Freire e a defesa de uma Pedagogia do Oprimido também revelam um compromisso ético de Marta para com a vida: ela lutou para que enxergássemos aquilo que oprime e subalterniza para, então, construirmos um conhecimento como projeto de conscientização para a libertação em relação ao que é injusto e desumano.

Por fim, Marta nos ensinou que a felicidade tem mais a ver com atitudes do que com circunstâncias, nos impulsionou a voarmos alto, a mergulharmos fundo, a encontrarmos os nossos próprios caminhos. Ensinou-nos, também, a não termos medo de tentar, de recomeçar, de insistir e de lutar, pois ela nos fez compreender que o maior naufrágio é não levantar a âncora no sentido de navegarmos na direção do enriquecimento das capacidades humanas quanto à manutenção da vida e da dignidade das pessoas.

Para mim, Marta não morreu. Simbolicamente, sua vida se prolonga por meio da minha, bem como por meio da de todos aqueles que com ela aprenderam que a esperança é algo substancial, talvez o mais seguro abrigo da alma humana em tempos de desencanto. Marta Pernambuco, Presente!

 

[1]    RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 408.

[2]    SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

[3]    FREIRE, Paulo. Pedagogia dos sonhos possíveis. São Paulo: Editora UNESP, 2001. (Organização e apresentação de Ana Maria Araújo Freire).

[4]    FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2003, p. 61.

Leia Também