Entrevista com Nilma Lino Gomes (UFMG), vencedora do prêmio Carolina Bori/SBPC 2022

A professora e pesquisadora Nilma Lino Gomes (UFMG) foi a vencedora do Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher de 2022. A partir da indicação da ANPEd para a categoria Humanidades, a associada teve sua trajetória reconhecida e celebrada. O percurso da professora emérita da Faculdade de Educação da UFMG reverbera a luta antirracista e pelas ações afirmativas. Foi fundadora do Grupo Interdisciplinar de Estudos Afro-brasileiros (GIEAB) e do grupo Educação e Diversidade Étnico-Cultural (EDEC),  presidiu a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), integrou a CEB/CNE (2010/2014), foi reitora da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) e ministra da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (2015) e do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos (2015-2016). Atualmente é coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Educação, Relações Étnico-raciais e Ações Afirmativas (NERA/CNPq). Dentre seus livros, referência para a área de Educação e outros campos, destacam-se "O movimento negro educador" (2017) e "O negro no Brasil hoje" (2006), dentre outros. Nilma é pesquisadora ativa do GT 21 da ANPEd, de Educação e Relações Étnico-Raciais.

Confira entrevista concedida pela pesquisadora ao portal da ANPEd, reforçando o caráter coletivo de sua trajetória e premiação, o imperativo de se discutir desigualdades incorporando questões de gênero e raça, além da importância da pesquisa e dos movimentos sociais para esse avanço.

Você recebeu o Prêmio Carolina Bori Ciência & Mulher, da SBPC. O que ele significa para sua trajetória pessoal e de pesquisadora?

Nilma Lino Gomes - Significa uma honra para mim, um reconhecimento do meu trabalho como pesquisadora engajada na luta contra o racismo, a discriminação e todo tipo de violência. Significa, também, o reconhecimento da trajetória de tantos intelectuais negras e negros, do passado e do presente, que lutamos para que a raça seja considerada como uma categoria de análise importante para a compreensão da realidade brasileira e para que o campo de estudos das relações raciais passe a ter a devida importância no campo das humanidades. Penso que nenhuma abordagem das humanidades que queira compreender a complexidade das relações históricas, sociais, culturais, políticas e econômicas, no Brasil, pode desconsiderar o peso das relações raciais, a forma como o racismo opera nas estruturas sociais e no cotidiano das pessoas. Receber o prêmio, para mim, reforça que a minha trajetória tem se construído coletivamente, pois se não fosse a nossa organização coletiva como negras e negras em movimento e como pesquisadores negros e negras, não teríamos chegado a esse patamar epistemológico e político. Ainda falta muito, tenho certeza, mas já demos passos muito importantes, seguindo o caminho de sabedoria deixado pelos nossos e nossas ancestrais.

Você recebeu uma premiação que destaca as mulheres como cientistas. De que forma a data de 08 de março, Dia da Mulher, pode ser trazida para debates necessários e urgentes, tais como desigualdades, opressões e feminicídio?

O 08 de março não é um dia de comemoração. É um dia de debate político sobre a importância da mulher na construção da nossa sociedade e de denúncia. Ainda vivemos  em uma sociedade de bases patriarcais e machistas que se reproduzem nas mais variadas instituições. Todo e qualquer debate sobre desigualdades sociais, políticas e econômicas precisa incorporar a questão de gênero e raça. Assim, poderemos desvendar as hierarquias de gênero e raça, entender como operam e reivindicar políticas públicas que superem essa situação. A discussão sobre o feminicídio e os seus impactos na vida das mulheres e na garantia de direitos é urgente. É também urgente denunciar e compreender mais uma perversidade e desdobramento do feminicídio: o feminicídio negro. O feminismo negro tem formulado muito bem a análise e a denúncia sobre esse desdobramento da violência contra as mulheres negras. Por isso, o movimento feminista e o feminismo negro lutaram para que  o feminicídio fosse reconhecido pelo Estado e pela Lei como um crime. Denunciar, desvelar e se contrapor ao feminicídio é se posicionar a favor da democracia e por uma vida com direitos para as mulheres. É também punir o agressor que, nas sociedades patriarcais e machistas, tende a ficar impune e se esconde atrás da frase machista e violenta de "matar em defesa da honra". Que honra é essa que autoriza  a morte da mulher pelo fato de ela ser uma mulher? E de ser considerada um ser inferior?  A educação ocupa um papel primordial nesse processo de reeducação nas relações de gênero. Por isso os grupos reacionários e conservadores reagem  com tanta resistência quando fazemos a discussão pedagógica e política sobre a questão de gênero na escola.

Você é uma docente e pesquisadora com passagens importantes pela gestão pública. Qual o papel da pesquisa para o desenvolvimento e efetivação de políticas públicas? O que tem pesquisado mais propriamente neste momento?

A pesquisa possibilita teorização, reflexão e uma refinada análise sobre a situação social, cultural, racial, política, de raça e gênero sobre a qual as políticas públicas incidirão. Por meio de dados recolhidos das pesquisas, das estatísticas formuladas contendo as mais variadas categorias para analisar a sociedade nas suas  diversas áreas: saúde, educação, trabalho, emprego, moradia, assistência, etc os gestores e as gestoras públicas podem ter um mapeamento dos pontos nevrálgicos sobre os quais as políticas públicas precisam incidir e, inclusive, construir novas políticas ou dar novas orientações aquelas já implementadas. A pesquisa também ocupa um papel crítico ao analisar o impacto ou não, o cumprimento ou não de políticas públicas sobre as mais diversas áreas.  Junto com a importância da pesquisa para o campo das políticas públicas quero destacar também a atuação dos movimentos sociais. Os movimentos sociais exercem um duplo papel nesse contexto: eles impactam o Estado e realizam o controle social das políticas já existentes indicando a urgência do atendimento de determinados setores em situação de maior desigualdade na sociedade e também indagam as pesquisas  e as ciências revelando lacunas e desigualdade no trato de determinados temas e questões urgentes para o aprimoramento das políticas. São os movimentos sociais que cobram e exigem que as pesquisas sejam realizadas por uma diversidade de pesquisadores: negros, brancos, indígenas, quilombolas, mulheres, pessoas do campo, com deficiência LGBTQUIA+ no campo da produção do conhecimento. Pesquisadores e pesquisadoras diversos enriquecem  a ciência e a análise das políticas pública realizadas em nosso país.