Financiamento/PEC 241 |Entrevista com Jaqueline Pasuch (UNEMAT)

 

 

Entrevista com Jaqueline Pasuch, professora do curso de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação e Linguagem, Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). A entrevista integra reportagem especial da ANPEd sobre a Educação Infantil.

 

 

 

Como é possível avaliar a questão do financiamento (e cortes) para a Educação Infantil nos últimos anos?

Esta questão é complexa e implica a consideração de que a Educação Infantil tem sua especificidade e o financiamento precisa concretizar as políticas públicas ofertadas para a população de 0 até 6 anos em espaços institucionais, coletivos, não domésticos, públicos, em práticas de educação e cuidados indissociáveis, desenvolvidas por professores habilitados, a partir de ações coletivas, intencionalmente planejadas e sistematizadas em um projeto político-pedagógico, cujos principais recursos, constitucionalmente, estão vinculados e regulamentados no Fundeb.

Há que se considerar o processo histórico de lutas e de conquistas pela efetivação dos direitos fundamentais das crianças expressos na Constituição Federal, ECA, LDB, DCNEI, onde a Educação Infantil é um direito das crianças e das famílias e um dever do Estado.

Entretanto, a insuficiência de recursos e os cortes no financiamento significam a não possibilidade de superarmos a visão assistencialista, desigual e excludente, centrada nos adultos, assim como, os desafios em relação ao acesso restrito, sobretudo, por crianças de 0 a 3 anos, para população preta ou parda, para os mais pobres, conforme a região do país, o local de residência urbana e rural, a formação inadequada dos docentes, a fragilidade institucional de muitos municípios com infraestrutura deficiente e a necessidade de recursos para criar novas vagas (construção, ampliação, equipamento).

A questão do financiamento para a Educação Infantil tem sido pauta de reivindicações de diversas entidades (UNDIME, UNCME), movimentos sociais (MIEIB, RNPI) e sindicatos, pois, a concepção de educação infantil de qualidade, como primeira etapa da educação básica brasileira, só poderá se concretizar no conjunto de políticas de Estado para garantir o direito de cada uma das crianças de 0 até seis anos de idade. Esse é um desafio gigante para um país que vivencia relações de desigualdades sociais, econômicas, políticas, geográficas e geracionais.

Para afirmarmos o direito à Educação Infantil democrática, pública, gratuita, laica, inclusiva, de qualidade, para todas e cada uma das crianças brasileiras, precisamos de ampliação do investimento público da União, dos Estados e dos Municípios, garantindo a oferta com qualidade, considerando a Política de financiamento do Custo Aluno-Qualidade (CAQI e CAQ), conforme prevê o Plano Nacional de Educação (BRASIL, Lei 13.005) para a década de 2014 a 2024, em suas 20 metas e 257 estratégias, sendo os Eixos 1, 4 e 7 diretamente vinculados à Educação Infantil.

 

Mais propriamente com a PEC 241, o que está mais em risco na Educação Infantil e na implementação de uma política de longo prazo?

Para esta questão, tomo como referência a 44ª Nota Pública do Fórum Nacional de Educação -  PEC 241 que inviabiliza as metas do Plano Nacional de Educação – (Brasília, 20 de setembro de 2016), a qual considera que:

A Proposta de Emenda à Constituição nº 241 de 2016 (PEC nº 241/2016), enviada pelo governo Temer ao Congresso Nacional, propõe profundo e intenso ajuste sobre as despesas correntes da União – com reflexos nos demais entes federados –, o que certamente inviabilizará as principais metas da Lei 13.005, que trata do Plano Nacional de Educação (PNE) para a década de 2014 a 2024, inclusive por meio da desvinculação da vinculação constitucional de impostos instituída em 1934.
O princípio norteador do PNE consiste em quase dobrar as atuais receitas orçamentárias da educação, a fim de se cumprir as 20 metas e 257 estratégias do Plano, entre elas, as que preveem atingir o investimento equivalente a 10% do Produto Interno Bruto na educação, a equiparar a remuneração média do magistério com outras categoriais profissionais de mesma escolaridade e a instituir o mecanismo de Custo Aluno Qualidade (CAQi e CAQ) para financiar as matrículas nas escolas públicas.
No entanto, os dois principais objetivos da PEC 241 colidem com o PNE, uma vez que se pretende suspender por 20 exercícios fiscais – o dobro de tempo de vigência do Plano Decenal de Educação – as receitas de impostos vinculadas à educação (art. 212 da CF e art. 60 do ADCT/CF), bem como limitar os investimentos educacionais (despesas primárias do Estado) à inflação medida pelo IPCA-IBGE do exercício anterior, também por 20 anos. Ou seja: o objetivo do Estado brasileiro passará a ser exclusivamente o pagamento de juros da dívida aos credores internacionais e nacionais, uma vez que as despesas financeiras ficarão imunes de qualquer teto orçamentário.
Os questionamentos sobre a PEC 241 são objetivos. Como garantir, por exemplo, o cumprimento da meta 20 do PNE se o Estado brasileiro estará impedido de aplicar “dinheiro novo” em políticas sociais, inclusive na educação? E a meta 17 do Plano decenal, como alcançá-la se o piso nacional do magistério terá seu valor real congelado por 20 anos? E como superar as limitações orçamentárias do Fundeb, sobretudo com o compromisso de incluir mais estudantes nas escolas, se a vinculação constitucional de impostos será suspensa por prazo que supera a vigência do atual PNE? Aliás, pelo novo formato fiscal da PEC 241, não há mais garantias de renovação do Fundeb, muito menos de instituição do CAQi e CAQ, podendo a educação sofrer enorme retrocesso.
Essas indagações se pautam na dura realidade que será imposta pela PEC 241 às políticas educacionais, devendo, portanto, o parlamento nacional – autor da Lei 13.005 e outras – rejeitar essa medida de grande prejuízo para o país e para a população que mais necessita dos serviços públicos.

Por outro lado, como forma de superar a momentânea crise fiscal imposta não pela expansão da oferta de serviços públicos à população brasileira, mas por um cenário internacional adverso não apenas ao Brasil, o Fórum Nacional de Educação propõe ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional a revisão do marco regulatório tributário nacional, com vistas a ampliar a arrecadação de impostos sobre a renda, o lucro e o patrimônio dos que detêm a riqueza nacional, regulamentando, inclusive, o Imposto sobre Grandes Fortunas, mantendo as riquezas do petróleo para o financiamento da educação pública e da saúde e eliminando a incidência de desonerações de impostos sobre as políticas sociais, sobretudo das que detêm vinculação constitucional. (Fórum Nacional de Educação, 2016).

Nesse sentido, podemos afirmar que a PEC 241, atualmente tramitando no Senado sob a identificação de PEC 55, inviabiliza as metas que dão condição de possibilidade de ampliação da oferta de vagas, seja quantitativa quanto qualitativamente, observando os locais da oferta, as demandas, a infraestrutura adequada. A PEC 55 inviabiliza as Políticas de Educação Infantil do Brasil! Ela significa um grande retrocesso na concepção de crianças, infâncias e educação infantil que vinha sendo construída ao longo dos últimos anos.