O que pensar sobre o ensino remoto em tempos de pandemia? | Colaboração de texto | por Olívia Chaves de Oliveira (GT 11)

Esta contribuição ao Boletim da ANPEd traz a reflexão de uma pesquisadora em educação e mãe, vivenciando como, se estivesse em uma pesquisa participante, o ensino remoto com duas crianças na educação infantil. Neste pequeno laboratório da vida real, tento associar os estudos do sociólogo Bourdieu (1930-2002) com a reflexão sobre a educação formal em tempos de pandemia.

Em março deste ano, quando se instalou no Brasil uma crise de saúde pública provocada pelo vírus COVID-19, a principal medida para conter a evolução dos índices de contaminação foi o isolamento social, com a interrupção das aulas presenciais nas redes pública e privada de todos os níveis de ensino.

Sem maiores dificuldades e discussões, as escolas da rede privada iniciaram um ensino mediado por tecnologia, seja por aplicativos, plataformas, vídeo aulas ou como última opção a entrega de atividades impressas (no caso das escolas públicas, por exemplo). Mas, é importante destacar que isso não se configura como educação a distância (EaD). É somente uma forma de ensino remoto, sem as técnicas inerentes à EaD.

Foi assim, sem muita análise e em curto espaço de tempo, que estudantes de todas as idades, das redes pública e privada, moradores de diferentes localidades com maior ou menor grau de impacto pelo COVID-19, com ou sem o auxílio de suas famílias, tiveram que se adaptar a uma nova realidade para a continuidade dos estudos, pois o ano letivo deveria continuar. Professores também tiveram que transformar as salas de suas casas em salas de aula, sala de estudos, e todo o conteúdo preparado para a aula presencial, da noite para o dia se transformou em aula virtual.

A pandemia trouxe como uma de suas consequências o agravamento do quadro histórico de desigualdades no campo educacional sempre camuflado pelo ambiente escolar. E, portanto, deu visibilidade de imediato ao fato de que as novas ações pedagógicas não atingiriam a todos os estudantes da mesma forma.

Para o ensino remoto, com atividades em ambiente virtual em tempo real, o estudante e suas famílias precisam dispor de recursos materiais, habilidades em tecnologia, disciplina e organização do tempo, além do auxílio de outros membros da família. Ou seja, o ensino remoto não nos parece uma alternativa democrática para a continuidade dos estudos. Ele requer o habitus enquanto manifestação da internalização das regras de convivência social ou do jogo nos campos social e educacional. Saber jogar bem esse jogo, vai depender do capital cultural disponível pelas famílias nas frações de classe às quais pertencem.

Sendo assim, a origem social dos estudantes exerce influência considerável no desempenho escolar, principalmente nesse “novo normal”. Não basta somente ter acesso aos meios materiais, mas é necessário, também, que haja um ambiente propício para os estudos em casa. Por outro lado, o capital cultural adquirido no convívio social propiciado pela escola está se perdendo em meio à pandemia.

Somente no ambiente escolar as crianças e jovens das camadas subalternas têm a chance de adquirir o capital cultural da cultura dominante como forma de alcançar distinção social, mesmo que seja representado simbolicamente apenas pela obtenção do diploma. Embora Bourdieu seja um crítico da escola, por acreditar em sua tendência reprodutora, procuro refletir que, sua crítica nos revela o que os estudantes das classes populares enfrentam no campo educacional. O desafio de continuidade dos estudos formais em tempos de pandemia está aí como exemplo.

Estamos falando de 38,7 milhões de estudantes na rede pública e 9,2 milhões na rede privada, somente na educação básica (INEP, 2020, p.15). No ensino superior contávamos em 2018 com 2.077.481 matrículas nas instituições públicas e 6.373.274 nas privadas (INEP, 2019). No entanto, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua de 2018 diagnosticou que, somente 79,1% dos domicílios brasileiros possuem acesso à internet e apenas 41,7% dos domicílios possuíam computador (IBGE, 2020).

Os dados oficiais contribuíram para alimentar nossas reflexões e trazer algumas questões: o que fazer com os que não tiveram acesso aos conteúdos devido à falta de condições materiais? Qual a contribuição da educação sobre os efeitos psicológicos deixados pelo isolamento social? Como tratar os diferentes níveis de conhecimento produzidos nas diferentes formas de estudo encontradas pelas famílias? Como será o próximo ano letivo? E os estudantes que necessitam de acompanhamento devido a alguma deficiência? E mais, que diálogo está sendo proposto e/ou ocorrendo entre escola e comunidade, a respeito do momento inédito na vida de milhares de brasileiros e as consequências de crise global para todos nós?

Entendemos a necessidade do isolamento social e a interrupção das aulas presenciais. Contudo, queremos contribuir em prol de um debate sobre alternativas mais democráticas. Estamos diante da necessidade de afirmar que a educação é um ato social, afetado por todos os fenômenos à sua volta, feito da interação entre sujeitos com diferentes experiências de vida. Dessa forma, não se trata apenas de disponibilizar vídeo aulas, textos em plataformas virtuais ou executar tarefas online. Mas, de pensar o papel social da educação e o valor do ambiente escolar como lócus de aquisição de capital cultural institucionalizado. Precisamos ter cuidado para não perder de vista o resgate da importância do ambiente escolar quando a pandemia estiver controlada!

Referências:

BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Censo da Educação Básica 2019 – Resumo Técnico. Brasília-DF, 2020. Disponível em: http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484154/RESUMO+T%C3%89CNICO+-+.... Acesso em: 11 jul. 2020.

______. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP. Censo da Educação Superior 2018 – Divulgação dos Resultados. Brasília – DF. 19. Set. 2019. 77p. Disponível em: http: //www.dowload.inep.gov.br/educação_superior/censo_superior/documentos/2019/apresentacacao_censo_superior2018.pdf. Acesso em: 06 dez. 2019.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2018. Informativo. Rio de Janeiro, 2020.