UERJ resiste

Deise Mancebo – Professora Titular da UERJ
Luiz Claudio de Santa Maria – Professor Associado da UERJ
Diretor da ASDUERJ

De um modo geral, as universidades públicas estão sendo submetidas a contundentes ataques, que minam suas bases materiais por meio de cortes sistemáticos de recursos. Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde pretendemos nos ater nesse texto, essa história não se coloca de maneira distinta. O maior problema desta universidade, o mais antigo e mais recorrente, diz respeito ao subfinanciamento. Ele sempre existiu; todavia, a expansão da universidade e a ampliação de suas atividades, em especial com a incorporação de pesquisas e programas de extensão, trouxeram novas demandas financeiras, invariavelmente não cobertas por sucessivos governos.

Pode-se dizer que essa situação alcançou seu ápice nesses últimos dois anos!

Em relação aos estudantes, há atrasos sistemáticos no pagamento de bolsas (e não se pode desprezar que a UERJ foi a primeira instituição a contar com o sistema de quotas, que hoje abrange mais de 40% dos alunos dessa instituição), o único restaurante universitário encontra-se fechado e não há passe-livre para o transporte.

Em relação aos trabalhadores, deve-se reafirmar, preliminarmente, que a UERJ tem seu funcionamento garantido (nem sempre!) por diferentes “contratos” de trabalho:

Encontramos trabalhadores terceirizados e prestadores de serviços (principalmente nas áreas de limpeza, manutenção, segurança, no restaurante universitário e cantinas). Esses trabalhadores atuam em péssimas condições de trabalho, além de sofrerem atrasos salariais recorrentes, ao sabor dos repasses dos governos do Estado. Desde 2015, essa situação agravou-se e, em junho deste ano, chegou-se ao absurdo: cerca de 500 funcionários da Construir (empresa que efetuava a limpeza da universidade) foram demitidos, sem o pagamento dos salários atrasados e sem o cumprimento dos demais direitos trabalhistas!!!

Há vários profissionais técnico-administrativos que recebem bolsas (também atrasadas), sob o pretexto de estarem complementando sua formação. Há também professores “substitutos” que têm sobrevivido anos e anos sem garantias contratuais e trabalhistas e, atualmente, sem pagamento desde novembro de 2015.

Por fim, os chamados trabalhadores “de carreira” e concursados, cujos contratos com o Estado são estáveis, também vêm enfrentando condições de trabalho cada vez mais precarizadas e desestimuladoras. Para os professores, o último reajuste linear ocorreu em 2001 (Lei nº 3.649 de 20 de setembro de 2001). A partir dessa data, inúmeros movimentos organizados tiveram curso, incluindo três greves (2006, 2008 e 2012); todavia, tudo o que esses movimentos conseguiram foram algumas mudanças nas carreiras dos dois segmentos (docentes e técnicos), que acabaram conduzindo à quebra da isonomia, à fragmentação entre os trabalhadores, pondo dificuldades adicionais para a unificação de suas lutas.

                                                                   
                                                                                                                                                                                             Imagem: TV Globo

Além das condições precárias, o que inclui os baixos salários, trabalha-se cada vez mais e a intensificação do trabalho tem sido motivo de grande insatisfação e de adoecimento, atingindo muitos trabalhadores da universidade, em diversas áreas. A situação dos professores ilustra bem esse aspecto. Entre os anos de 2007 e 2014, houve decréscimo de 5% no número de docentes; em contrapartida, o crescimento total das matrículas, no mesmo período, foi de aproximadamente 27%. Especificamente, a pós-graduação stricto sensu teve crescimento de 47%. Como se sabe, o ensino é apenas uma das atividades docentes. Além dele, deve-se fazer pesquisa, publicar cada vez mais, realizar grande número de tarefas administrativas e, como se não bastasse, os professores são instados a captar recursos para suas investigações, laboratórios e até para o suprimento da infraestrutura básica da universidade, o que inclui elaborar um projeto, concorrer, administrar os recursos, responsabilizar-se por obras, prestação de contas etc.
 
Se tudo isso não bastasse, deve-se registrar que a parcela referente à dedicação exclusiva (DE) ainda não é incorporada à aposentadoria, o salário de novembro de 2015 foi parcelado em duas vezes e o 13º salário em 5 parcelas (a última foi paga em abril de 2016). Além disso, em 2016, o depósito dos salários foi adiado para o 10º dia útil do mês. No último mês de abril, o governo suspendeu completamente o pagamento de aposentados e pensionistas referente a março, numa ação criminosa contra aqueles que trabalharam durante anos para assegurar as atividades públicas no Estado. No mês de junho, o salário e as aposentadorias foram pagos parcialmente (cerca de 50%) e o restante foi efetivado somente no mês seguinte. Por fim, ameaças de demissão vêm ocorrendo, sob o argumento de reduzir despesas para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

O atual governo do Estado de Pezão-Dornelles (do PMDB) atribui o descaso com a universidade à crise e agora, em conluio com o governo golpista de Michel Temer, decreta “estado de calamidade pública” no Rio de Janeiro com a desculpa da aproximação das Olimpíadas. Quem vive no Rio de Janeiro sabe que a calamidade pública já se instalou há muito nas escolas, nos hospitais (entregues às OS’s em quase toda sua totalidade) e nas universidades públicas do Rio, como no caso da UERJ, que este ano não recebeu NENHUM CENTAVO de custeio por parte do governo estadual (ASDUERJ, 2016).

Um governo que pagou R$ 39 milhões da conta de luz na Supervia/Odebrecht não tem dinheiro? Um governo que deu R$ 687 milhões de isenções fiscais para a Cervejaria Petrópolis não tem dinheiro? Um governo que deu R$ 10,6 bilhões de incentivos fiscais para a Peugeot-Citroën não tem dinheiro? Que “crise” é essa, se o governo abre mão de R$ 2 bilhões de receitas de ICMS para 2016 a título de incentivos fiscais? (ASDUERJ, 2016).

Diante desse quadro e após vários meses de negociações, os docentes, técnico-administrativos e estudantes da UERJ estão em greve desde o dia 07 de março de 2016. Trata-se de uma greve com alto grau de adesão, paralisando praticamente todos os cursos de graduação da universidade e muitos cursos de pós-graduação, ela é, sem dúvida, uma das mais representativas da história da universidade. A expressiva adesão ao movimento demonstra a enorme insatisfação dos trabalhadores da UERJ com a erosão dos salários, com a falta de condições de trabalho na universidade e com o desrespeito aos direitos básicos. Assim, o movimento não tem como pauta apenas a questão salarial dos trabalhadores e das bolsas dos estudantes; as condições mínimas de trabalho/estudo colocam-se na primeira linha das reivindicações. 

Ao longo dos quatro meses de paralisação, a jornada de lutas tem sido intensa e diversificada, abrangendo formas de mobilização e perfis de atividades, que visaram à pressão sobre o governo, mas também à ampliação dos canais de comunicação com a população, seja pelas notícias divulgadas pela grande imprensa, atos no Palácio Guanabara, idas à ALERJ, seja no contato direto com as ruas, em aulas públicas que já tiveram curso no Rio Comprido, no Museu do Amanhã, na rampa do Metrô e até na porta da casa do governador e do secretário de fazenda do estado!
Em síntese, apesar das circunstâncias adversas, em todos os poros possíveis da cidade, a UERJ resiste na luta pela sua existência e pela educação superior pública!

Referência:
ASDUERJ. Editorial. Boletim da ASDUERJ, jul. 2016. 

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