Em entrevista, Woon Chia Liu fala sobre formação docente e políticas educacionais em Singapura

Os desafios da formação docente no mundo atual – marcado pela volatilidade, incerteza e complexidade e ambiguidade – foram o tema da conferência ministrada por Woon Chia Liu, reitora de Formação de Professores do Instituto Nacional de Educação de Singapura, durante a 41ª Reunião Nacional da ANPEd, realizada em Manaus de 22 a 27 de outubro.

A conferência “Formação de professores para um mundo VICA: a perspectiva de Singapura” fez parte do Simpósio WERA, que integrou a programação internacional do evento. A debatedora foi Maria Luiza Sussekind (Unirio/vice-presidente Sudeste da ANPEd) e a coordenação ficou a cargo de Maria Beatriz Luce (UFRGS/Unipampa/primeira secretária ANPEd).

Além de detalhar a experiência de Singapura, Woon falou sobre aspectos como a interação entre teoria e prática na formação docente, como estratégia para possibilitar que as/os futuras/os professoras/es tenham autonomia e repertório para lidar com os desafios do dia a dia na sala de aula.

Ela também  falou sobre a importância de uma atuação em conjunto entre universidade, escolas e governo como meio de fortalecer as políticas educacionais.

Leia, a seguir, a entrevista que Woon Chia Liu concedeu ao portal da ANPEd.

Em sua conferência, você falou sobre a centralidade da formação de professores no sistema educacional de Singapura. Qual a origem e os motivos para dar tanta importância à formação docente?

Singapura não possui recursos naturais em abundância, então sabíamos desde o início da construção da nação o que o país deveria fazer porque dependemos das pessoas.

E, claro, se você está falando sobre depender das pessoas, então as pessoas têm que ser educadas. Portanto, se quisermos que a educação seja um pilar principal da construção da nação, isso significa que as pessoas que estão à frente da sala de aula - e que têm o maior impacto sobre os estudantes fora da família - também precisam de ser apoiadas e bem formadas. É por isso que a formação de professores é importante.

Não estou dizendo que somente a formação docente é importante. É preciso construir escolas, assegurar um lugar para cada criança. É necessário tornar a educação acessível. Todas essas coisas têm que se articular.

Mas se existirem escolas em número suficiente, se todas as crianças estiverem nas escolas, mas não houver professores capazes de ensiná-los, então o esforço não deu em nada.

Um dos principais desafios no Brasil é atrair os jovens para os cursos de pedagogia e licenciatura. Como é em Singapura?

Se estou falando de formação de professores, é preciso atrair os melhores estudantes. Mas isso depende de muitos fatores, um deles é o quanto a profissão é respeitada.

Em Singapura, os professores são considerados as pessoas mais influentes na vida de uma criança, depois da família.

Além disso, o processo de seleção dos ingressantes é rigoroso. A cada 10 pessoas que se inscrevem 2 ou 3 vão entrar e não são necessariamente os alunos que tiram A que entram. Não nos baseamos apenas no resultado. Há uma entrevista e nela os candidatos têm que mostrar paixão pela educação. Às vezes, os melhores alunos não têm essa paixão, então não faz sentido tê-los.

Como se estrutura a formação de professores em Singapura?

É importante atrair bons estudantes, mas também é importante dar-lhes um treinamento rigoroso porque se não estiverem bem preparados, sentirão que não conseguem lidar com os desafios da sala de aula e, em pouco tempo, deixarão o ensino. Eles devem passar por uma preparação rigorosa para que tenham confiança e a formação é muito importante nesse sentido.

Eles realmente têm que entender a criança, entender o currículo: o que precisa ensinar e o conhecimento de como ensinar, então essas são bases.  Eles devem ser capacitados para fazer algo, porque quando os jovens sabem que fazem a diferença, esse chamado se torna significativo. Mas se eles vão para a aula e descobrem que não podem ajudar os alunos, se estiverem indefesos, não forem apoiados, isso se tornar uma experiência muito desmoralizante.

Outro aspecto importante é valorização dos professores. Como sociedade, deve haver respeito pelos professores.

Então, a ênfase da formação é na prática?

Não acho que a prática seja mais importante do que a teoria, uma não pode existir sem a outra. Se você apenas conhece a teoria, não será capaz de saber o que fazer na sala de aula.

A ênfase na teoria é uma reclamação muito comum sobre os programas de preparação de professores baseados em universidades. Em todo o mundo é assim. Mas o problema é que não estamos preparando um técnico, que vem com um manual para te dizer o que fazer. Não há lista de verificação. Você está treinando um profissional.

Na verdade, não gosto da palavra formação e não gosto de dizer estudantes estagiários. Sempre falo em “preparação de professores” e em “professores-alunos”. Isso é intencional, sinto que traduz melhor a ideia de preparação do profissional.

O profissional precisa ter capacidade de tomar decisões, não repetir o que outros professores têm feito, simplesmente porque não é a mesma pessoa. Na parte prática, se não entender o porquê de uma situação, ele estará apenas representando e imitando. E quando as coisas não funcionam, ele não tem ideia de porque não funcionam.

É por isso que digo que teoria e prática devem andar de mãos dadas. Trabalhamos para diminuir essa lacuna. Temos dois estágios durante a formação – um no meio do curso e outro ao final -, para evitar que o curso seja totalmente teórico e, ao final, eles sejam simplesmente jogados na sala de aula.

Além disso, o professor precisa ser capaz de observar, precisa tentar certas coisas e, quando elas não dão certo, precisam ser capazes de recorrer à teoria e à pesquisa para ajudar a entender o que acontece.

Por isso, procurarmos forma professores que continuem a aprender e a se aprimorar por conta própria.

De que maneira a pesquisa faz parte do processo de preparação de professores em Singapura?

No 3º e no 4º ano, os professores em formação fazem uma pesquisa com o objetivo de encorajá-los a fazer perguntas. Isso é importante para que eles consigam identificar o que está acontecendo quando estiverem em campo. Quais são os problemas? Fazer perguntas é uma habilidade,  se você não sabe o que perguntar e não sabe o que investigar.

Eles desenvolvem um pequeno projeto para que façam perguntas e formulem hipóteses de pesquisa. Fazemos com que eles sejam capazes de ler artigos científicos, aprendam a coletar evidências a fim de que consigam examinar sua própria prática.

Esperamos que isso lhes permita continuar quando estiverem na escola, para que possam investigar os problemas que acontecem na sala de aula, com os alunos.

Singapura é vista, no mundo, como uma referência em educação. Na sua opinião, isso se deve à ênfase na formação docente?

O fato de Singapura ser pequena  e faz com que, talvez, as coisas sejam menos complexas. Mas eu acredito que, em grande medida, as coisas funcionam muito bem porque somos uma parceria muito forte entre o Instituto Nacional de Educação, o Ministério da Educação e, também, com as escolas. Temos uma relação de trabalho muito estreita e em parceria.

Muitas vezes, no Instituto é informado sobre ações e políticas antes de elas serem implementadas. Isso permite que grupos de trabalho atuem para compreender as medidas e dá a oportunidade para que os professores e os cientistas, pesquisadores, tenham a chance de fornecer evidências para essas decisões, antes que elas sejam implementadas. Em contrapartida, isso nos dá tempo, se necessário, para fazer ajustes na formação de professores.

Muitas vezes, as políticas educacionais falham porque são mal compreendidas. Quando há discussão todo o sistema se beneficia porque entendemos por que estamos fazendo certas coisas, os professores irão acreditar nisso e temos tempo suficiente para prepará-los. Para que qualquer mudança não seja uma surpresa.

Teoricamente, esse tipo de relacionamento pode acontecer em qualquer país, independentemente do tamanho. Num país grande, talvez existam mais divisões, pontos de vista diferentes, mas o princípio é o mesmo: é preciso que exista um bom relacionamento e as pessoas trabalhem juntas pensando no que é melhor para as crianças.

Assista à conferência: