Pesquisa de Mestrado aborda a comunicação como processo cultural na trama cotidiana dos jovens alunos do Colégio Estadual do Paraná

por Patricia Goedert Melo - Jornalista, publicitária e mestra em Comunicação pela UFPR

Em março deste ano, defendi a pesquisa de Mestrado em Comunicação (PPGCOM-UFPR) intitulada Vozes coletivas, compartilhadas e reconhecidas: Um estudo sobre as Mediações Comunicativas da Cultura na trama cotidiana dos jovens alunos do Colégio Estadual do Paraná. Conhecido também como CEP ou Estadual, a instituição, que fica em Curitiba-PR, atende cerca de 5 mil estudantes do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio e é considerado o mais antigo colégio público do estado. A sede atual foi inaugurada no dia 29 de março de 1950, sendo que a instituição representa a continuidade do Licêo de Coritiba, fundado em 1846.

Pesquisar os alunos do Ensino Médio desta escola foi, desde o início, um misto de inquietações, descobertas, prazer pela investigação e dúvidas sobre os caminhos a seguir. No entanto, essa mistura de sensações não foi apenas de cunho científico, mas também de caráter pessoal. Estudar sobre esses jovens, suas ideias, buscas, tensões, sonhos e conflitos permitiu descobrir minhas características enquanto pesquisadora. Contudo, também provocou frequentes reflexões sobre a experiência vivida da minha própria juventude e impulsionou o meu olhar para perto, para o meu cotidiano, agora no papel de mãe de um jovem que iniciou, neste ano de 2017, o Ensino Médio no mesmo espaço da pesquisa: o CEP.

Os operadores teóricos têm como eixo os conceitos de mediações (Jesús Martín-Barbero), cultura (Raymond Williams; Stuart Hall) e identidade (Stuart Hall; Denys Cuche), e a metodologia seguiu a perspectiva transmetodológica: uma articulação de diferentes métodos e técnicas com base na processualidade – observação participante, entrevistas semiestruturadas, grupos de discussão, produção e análise de fotografias e observação no Facebook de páginas e perfis relacionados aos sujeitos da pesquisa. Para não se fechar à territorialidade escolar, a análise abordou as juventudes com uma visão plural, percebendo como esses jovens, que protagonizam o tempo presente, configuram suas relações com a trama cultural do CEP.

A ideia

A idealização da pesquisa surgiu ainda em 2015: ano marcado pelas manifestações dos servidores públicos estaduais do Paraná – com destaque para a greve dos professores. Uma das reivindicações era impedir a votação, na Assembleia Legislativa do Paraná (ALEP), do que ficou conhecido como “pacotaço”. O conjunto de medidas, que envolveu cortes de benefícios do funcionalismo público e alterações na previdência social, foi aprovado em 29 de abril daquele ano.

Tal data – 29 de abril – repercutiu, principalmente, devido ao violento confronto entre manifestantes e policiais militares sob o comando do Governo Estadual. O fato, que se transformou em um dos episódios da história da Educação do Paraná, foi compartilhado em sites de redes sociais e recebeu atenção da imprensa.

Um dos pontos que me chamou a atenção foi a perene presença e participação expressiva de alunos do Colégio Estadual do Paraná no movimento. Eles estavam sempre uniformizados e em grupo, caminhavam em passeata, seguravam cartazes, ecoavam gritos de guerra e palavras de ordem, realizavam rodas de conversas etc. No dia do confronto, doze estudantes foram para a linha de frente, sendo que oito deles chegaram a se machucar.

O interesse pela inserção desses jovens no contexto grevista me fez seguir tal engajamento também por meio de fotos e vídeos compartilhados nas redes sociais, bem como por reportagens veiculadas pela imprensa em que os alunos apareceram como fontes – comunicando que estavam presentes, expressando opiniões e se reconhecendo como integrantes do movimento. Estas observações começaram a me trazer dúvidas a respeito de como a participação dos alunos do Estadual durante a greve dos professores ressignificava suas identidades e qual o papel da comunicação nesse processo.

Para responder a tais inquietações, eu teria que conhecer mais sobre esse colégio. Logo, o primeiro passo foi entrar no campo empírico. Essa aproximação permitiu enxergar mais de perto e de forma mais clara alguns fenômenos culturais e comunicacionais importantes para o que se propunha investigar. A partir disso, ampliei meu olhar para as práticas sociais cotidianas que permeiam as relações dos jovens com a escola e percebi como os processos comunicativos são fundamentais nessa conjuntura.

Mas, como o processo de pesquisa não é uma linha reta, situações externas não previstas, mas que influenciam de alguma forma os passos metodológicos, surgem – como o fenômeno das ocupações das escolas estaduais do Paraná, que começou no dia 04 de outubro de 2016 e terminou no dia 09 de novembro do mesmo ano. O ápice deste movimento, em meados de 20 de outubro, chegou a mais de 700 escolas ocupadas pelos jovens secundaristas – sendo que o CEP foi uma dessas instituições, ocupada na noite de 06 de outubro de 2016.

A luta dos estudantes era contra a Medida Provisória (MP) 746, aprovada pelo Senado no dia 09 de fevereiro de 2017, com texto que desobriga a oferta de disciplinas como Artes e Educação Física na formação do Ensino Médio; e contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 241/2106 (do Congresso) ou 55/2016 (do Senado) que estabelece um teto nos gastos do setor primário – inclusive na Educação –, aprovada no dia 13 de dezembro de 2016.

Quando as ocupações vieram à tona, grande parte da pesquisa já havia sido realizada, principalmente a observação de campo. Portanto, ficou a indagação: como não ignorar e, ao mesmo tempo, abordar a questão da ocupação do CEP – vista como um momento representativo aos alunos –, mas sem cair no risco de confundir o caminho investigativo? Como a última etapa metodológica (grupos de discussão) ainda seria aplicada em dezembro de 2016, a solução esperada foi que o tema surgisse nos debates entre os sujeitos analisados. Feito isso, foi possível incluir no trabalho, mesmo que tangencialmente, o fenômeno estudantil pela voz dos próprios jovens.

Contribuições

Uma das colaborações da pesquisa foi perceber não apenas a relevante participação dos estudantes durante a greve e depois, de forma mais evidente, nas ocupações, mas se perguntar o que representa para esses jovens tal engajamento e como eles articulavam a comunicação para se organizar coletivamente. Após esse questionamento, o olhar se voltou para o cotidiano do CEP, compreendo, assim, as relações culturais e simbólicas que geram o envolvimento dos secundaristas em ações como essas.

Dessa maneira, compreender a trama das relações que formam a cultura da escola por meio da dimensão comunicativa ultrapassou sua face instrumental ao apreender o social pela comunicação constituída na cultura. Trazer o viés comunicativo como eixo da investigação permitiu perceber que os processos comunicacionais criados e desenvolvidos pelos alunos – vídeos, redes sociais, cartazes, gritos de guerra, dança etc. – produzem sentido porque estão articulados ao tecido simbólico do colégio, às práticas sociais que ajudam a construir esta teia e aos diferentes modos de ser jovem.

As práticas analisadas como as mais recorrentes e simbólicas aos sujeitos da pesquisa foram categorizadas como orgulho da história do colégio; engajamento político; equidade de gênero; expressão artística. Para que elas alcancem expressividade, os estudantes as comunicam por variados processos comunicativos, que trazem, em sua materialidade, não só o caráter instrumental entre a forma e o conteúdo, mas, principalmente, as mediações comunicativas da cultura: tecnicidade; socialidade; ritualidade; institucionalidade.

A construção do caminho transmetodológico ajudou a dar conta da aplicação das mediações como eixo teórico-metodológico da pesquisa. Essa foi uma das dificuldades e também um dos desafios do trabalho. Seguir um protocolo multimetodológico exigiu que o itinerário fugisse da linearidade e se reinventasse a todo momento de acordo com os resultados advindos do campo e da realização das técnicas.

Nesta esteira, fiz uma imersão na escola para mapear os elementos que caracterizam sua cultura. Este mergulho aconteceu em duas frentes: na busca sobre a história do colégio, que completou 170 anos em 2016, e no cotidiano que marca seu tempo atual. Olhar para o passado contribuiu para compreender o presente do CEP, pois muito de sua estrutura simbólica é marcada por imaginários carregados pela memória coletiva. No entanto, ao ser ressignificado pela juventude, o passado se transforma costurado à pluralidade e à diversidade dos jovens que se apropriam da espacialidade da escola.

Porém, a análise não podia se limitar à territorialidade do Estadual e cair no risco de se prender somente ao contexto histórico e ao espaço da escola. Também foi necessário dissertar sobre a juventude que protagoniza o tempo presente do universo educacional e sobre como suas relações se configuram com a conjuntura cultural do colégio. Sendo assim, o foco não se ateve aos alunos, e sim aos jovens que são também estudantes, mas, ao mesmo tempo, e de forma múltipla e polissêmica, são filhos, irmãos, atuantes em movimentos estudantis, meninas, meninos, artistas, amigos, namorados etc. Os diferentes modos de ser jovem se enredam à trama cultural do Colégio Estadual do Paraná, constituindo práticas sociais cotidianas inerentes à cultura dessa escola.

A investigação identificou que, atuantes na produção de suas narrativas, os jovens expressam suas relações com o coletivo do colégio e demonstram como a dimensão comunicativa – uma vez presente na cultura da escola – propicia elementos para ressignificarem suas identidades, especialmente quando o processo de formação identitária está inserido no contexto das ações coletivas.

Ao final da pesquisa, novas perguntas surgiram: Quais as representações sociais que os jovens buscam ao se inserir em movimentos pela melhoria na educação? Como e por que a resistência das minorias – mulheres, LGBTs e negros – ganha espaço e representatividade nas lutas dos secundaristas? Como se dá a ressignificação da identidade de jovens que se identificaram com alguma luta social durante as ocupações das escolas e que levaram a militância para o seu cotidiano?

Inquietações como essas dialogam com problematizações trabalhadas no estudo. As ações coletivas destacadas na dissertação demonstram a possibilidade de brechas que ligam o universo escolar com as diferentes formas de se comunicar e de se expressar dos jovens, inserindo-os em processos de mudança que atravessam a sociedade.