Resposta da ANPEd ao editorial da Folha sobre a Conae 2024

A ANPEd e a Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação (Fineduca) publicaram artigo na seção Opinião da Folha de São Paulo em 12 de fevereiro em resposta a editorial do mesmo veículo criticando as deliberações da Conferência Nacional de Educação (Coanae) 2024, realizada em janeiro, em Brasília (DF).

Antes do artigo, a Associação já havia divulgado uma nota pública sobre o teor do editorial (leia mais abaixo) e a Fineduca divulgou uma manifestação pública contra o editorial do jornal assinada por mais de 50 entidades e grupos.

Leia o artigo na íntegra:

Priorizar a educação exige mais investimentos

Miriam Fábia Alves

Presidenta da ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação)

Nelson Cardoso Amaral

Presidente da Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação)

No editorial "Educação a sério" (1º/2), a Folha avaliou que a Conferência Nacional de Educação (Conae) "desperdiça tempo" e é pautada por "bandeiras demagógicas".

O texto aponta o pedido de revogação do ensino médio como "revanchismo". Em 2023, a ANPEd (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação) demonstrou em cinco seminários regionais e documento para o MEC resultados de pesquisas que indicam que o novo ensino médio amplia desigualdades, prejudica a formação humana pela redução de carga horária e retirada de disciplinas e se ampara em itinerários pouco claros e inexequíveis. Portanto, uma política frágil, com graves prejuízos aos estudantes, que não dá para ser remendada.

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O presidente Lula (PT) e o ministro da Educação, Camilo Santana, no Palácio do Planalto - Gabriela Biló/Folhapress - Folhapress

O editorial também cita o aumento do investimento em educação para 10% do PIB (Produto Interno Bruto) como "meta farsesca" e afirma que o dispêndio atual é compatível com o padrão global.

Vejamos: o Education at a Glance de 2023, da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), mostra que o Brasil investe bem menos que a média dos países-membros, segundo o Dólar por Poder de Paridade de Compra (US$-PPC), que permite a comparação. Em 2020, a média da OCDE foi de US$-PPC 11 mil contra US$-PPC 3.300 no Brasil —ou seja, 30% do montante aplicado nos "países desenvolvidos".

A leitura atenta do documento-base da Conae 2024 evidencia de onde "sairiam tais recursos". Além de novos impostos, o Brasil possui riqueza para aplicar 10% do PIB em educação pública, como já expôs a Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação) em nota técnica. Além disso, medidas adotadas em "países desenvolvidos" mostram, por exemplo, que a Noruega mantém um fundo soberano com sua riqueza natural. E a Coreia do Sul saltou o investimento por aluno de US$ 151 para US$ 8.230 (1970 a 2018).

Já o argumento falacioso de que "a educação brasileira precisa antes de gestão do que de mais verbas" ignora a falta de recursos estruturais em milhares de escolas e condições mínimas de carreira a docentes e profissionais.

O editorial também cita metas não alcançadas do atual Plano Nacional de Educação (PNE), como matrículas em creches e oferta de escola em tempo integral, para justificar que o novo plano necessita de "metas mais palpáveis".Com isso, ignora que o último decênio foi marcado pela lei do teto de gastos (que ceifou a viabilização de metas), pela pandemia e por um governo que de 2019 a 2022 trabalhou pelo desmonte da educação.

O que está em jogo na Conae é a construção de um projeto de país com propostas robustas e ambiciosas que coloquem a educação como protagonista no desenvolvimento social e político brasileiro, com justiça social, ambiental e equidade. Assim, o texto-base ao PNE 2024-2034 avança em aspectos como a transição ecológica e o desenvolvimento sustentável.

Contando que este texto subsidiará o projeto de lei do governo a ser apreciado por um Congresso Nacional conservador, é essencial que expresse tudo o que a sociedade brasileira de fato almeja e precisa para o desenvolvimento educacional e democrático do país.

 

Este texto tem como base manifesto da ANPEd, que pode ser lido na íntegra na sequência.

A Folha publicou nesta quinta (1/2) editorial em que avalia a realização da Conferência Nacional de Educação (Conae), encerrada no último dia 30 em Brasília, como “desperdício de tempo” e pautada por “bandeiras demagógicas”.

O texto começa apontando o pedido de revogação do Ensino Médio como “revanchismo”. Ao longo de todo ano de 2023, a ANPEd, como integrante do Fórum Nacional de Educação (FNE), demonstrou através de seminários e documentos encaminhados ao MEC como as pesquisas indicam que o Novo Ensino Médio contribuiu para desigualdades sociais e educacionais, prejudica a formação humana com redução de carga horária e retirada de disciplinas e está amparado em itinerários pouco claros e inexequíveis. Portanto, uma política pública frágil e com graves prejuízos aos estudantes, que não dá para ser remendada. 

Em outro ponto, o editorial se refere à ampliação do investimento em Educação para 10% do PIB como “meta farsesca”. A insistência na argumentação desonesta de que “a educação brasileira precisa antes de gestão do que de mais verbas” ignora a falta de recursos básicos estruturais em milhares de escolas do país e condições mínimas de carreira a docentes e profissionais da área.

O descompasso com aquilo que se aplica em outros países também não se sustenta, pois é preciso considerar o gasto real com cada estudante e levar em conta tais desafios estruturais e de desigualdade a serem superados no país. Até a Organização para o Desenvolvimento e a Cooperação Econômica (OCDE) mostra reiteradamente em seus levantamentos que o investimento per capita por estudante da Educação Básica no Brasil permanece, há anos, abaixo dos padrões internacionais.

Quanto às fontes de recursos, existem inúmeros estudos que mostram seu potencial de aplicação com fontes diversas, como o pré-sal, que não demandaria sustentação única mediante os aumentos de impostos.

O editorial também cita metas não alcançadas do atual Plano Nacional de Educação (PNE) que encerra em 2024, como matrículas em creches e oferta de escola integral na Educação Básica, para afirmar que o novo plano necessita de “metas mais realistas”.

Com isso, o jornal ignora que o último decênio foi marcado pela aprovação da lei do teto de gastos, o que ceifou a viabilização de metas, pela pandemia e por um governo que trabalhou entre 2019 e 2022 pelo desmonte da Educação.

O que está em jogo com a Conae, e que falta um mínimo de visão do veículo para tal entendimento, é a construção de um projeto de país com propostas robustas e ambiciosas que coloquem a Educação como protagonista no desenvolvimento social e político brasileiro, com justiça social, ambiental e equidade. O novo texto de base ao PNE 2024-2034 inclusive avança em diversos aspectos, como o comprometimento com um novo paradigma de transição ecológica e desenvolvimento sustentável.

Contando que o documento irá subsidiar o Projeto de Lei do governo a ser apreciado por um congresso conservador, precisamos que o texto em questão expresse tudo o que a sociedade brasileira de fato almeja e precisa para o desenvolvimento educacional e democrático do país.

Por fim, o que o texto chamada de “bandeiras demagógicas” refere-se a uma experiência única em todo o mundo de construção social coletiva de políticas públicas, com propostas amplamente debatidas a partir de mais de 4 mil municípios, passando por etapas estaduais e distrital até a conferência nacional, num texto com amparo legal e metas de monitoramento.

A dissidência e críticas pela mídia quanto à Conae fazem parte do jogo democrático, mas um editorial que se ampara em desconhecimento básico de pontos centrais da Educação e que apela a uma caricatura de um movimento legítimo, audacioso e democrático, também merece sua crítica pelo desserviço à Educação pública brasileira.