Política de Educação Escolar Indígena: entrevista com Rosilene Tuxá (Secadi/MEC)

Banner - abril indígena-2

A ANPEd promoveu, no mês passado, o Abril Indígena nas redes sociais da Associação. Junto à veiculação de conteúdos especiais, os depoimentos de indígenas docentes na educação básica e no ensino superior, ativistas, educadoras/es e escritoras/es evidenciam desafios e, sobretudo, a força, pujança e contribuição da visão e conhecimento indígenas na licenciatura, pesquisa, literatura e outros campos.

A partir do 19 de abril como Dia dos Povos Tradicionais, tal mês reverbera a urgência de políticas públicas à altura da dívida histórica, reconhecimento de direitos e ampliação de saberes em diferentes espaços de produção e circulação de conhecimento.

Rosilene Tuxá, da Secadi/MEC

Nesse sentido, o portal da ANPEd conversou com a Coordenadora Geral de Políticas Educacionais Indígenas na Secadi/MEC – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão, Rosilene Tuxá.

Na visão de Rosilene, a retomada da Secadi no atual governo foi uma importante conquista do campo progressista, fortalecendo áreas como a Educação Escolar Indígena e a Educação Quilombola, entre outras. No entanto, a volta da pasta, extinta na gestão federal anterior, também se deu com imensas restrições de orçamento e falta de recursos humanos, algo que impactou todo o Ministério da Educação (MEC). “A Secadi é retornada, mas muito sucateada, com fragilidade e extinção de alguns dos programas existentes anteriormente”, conta Rosilene Tuxá, atualmente Coordenadora Geral de Políticas Educacionais Indígenas na Secadi.

No início, a política indígena também enfrentou dificuldades burocráticas. Sem uma secretaria especial específica, como demandava o Fórum Nacional de Educação Escolar Indígena (FNEEI), o planejamento para a área se vinculou à Secadi e, no momento, aguarda publicação do decreto para nomeação de diretoria no âmbito no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), com expectativa de melhoria nos recursos humanos.

Reconstrução

Tuxá conta que, a partir de 2023, foi necessário recompor as ações para a área do zero. “Como ficou sem atendimento esse tempo, a gente encontra a política de educação indígena numa condição muito precária. Hoje ainda somos o pior índice da população brasileira. É preciso recompor as políticas específicas de atendimento, primordiais para garantir uma educação com qualidade e equidade”, defende Tuxá, doutoranda pela Universidade de Brasília (UnB).

O primeiro passo foi reativar e fortalecer a coordenação das políticas já existentes, como a formação inicial e continuada, viabilizada pela recomposição dos recursos. Com isso, em 2023, a execução orçamentária foi a maior nos últimos 12 anos, mas com o  Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para o próximo triênio, vieram os cortes –  cerca R$ 2 bilhões a menos no MEC apenas em 2024, impactando quase integralmente a formação inicial e continuada.

Novos passos

Com todos esses desafios, o foco tem sido no desenvolvimento de programas e ampliação dos recursos para a área. Exemplo disso é o aumento do fator de ponderação do Fundo de Desenvolvimento e Manutenção da Educação Básica (Fundeb) para a educação indígena e quilombola e o aumento da bolsa permanência nas universidades federais de R$ 900 para R$ 1.400 por mês. A ideia é universalizar este programa para que chegue a todos estudantes sem distinção e atraso, criando um fundo contínuo.

Para Rosilene, existe um grande desafio de ajustar e regularizar os caixas das escolas, algo exigido para a destinação de recursos a fim de qualificar o ambiente escolar.  A pasta também irá propor aplicações específicas do Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) para a Educação Indígena.

De forma ampla, a Secadi passou a orientar as diversas modalidades da Secretaria para recriar comissões de acompanhamento e monitoramento das políticas educacionais. Dessa forma, a CNEEI (Comissão Nacional Educação Escolar Indígena), composta pelos povos indígenas, universidades, conselhos, instituições e secretarias do MEC, estabelece um espaço de debate dos movimentos sociais e da sociedade civil junto às políticas educacionais da Secadi e do MEC como um todo.

Além das diretorias da Secadi e secretarias do MEC, foram estabelecidas colaborações amplas, do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) ao Inep ( Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira). “Contribuímos para qualificar os indicadores, no sentido de garantir as especificidades dos povos indígenas no Censo”, afirma.

Desafios e formação

Uma meta prioritária é a consolidação de um pensamento de fato voltado aos territórios etnico-educacionais e a inserção de especificidades das políticas indígenas no Sistema Nacional de Educação (SNE), como um sub-sistema. “Precisamos consolidar uma política a partir de uma governança dos territórios com a participação dos povos indígenas e lideranças, com a repactuação dos territórios.”

A diretoria almeja a pactuação de 41 territórios ainda nesta gestão. Atualmente 16 consultores estão em campo neste trabalho, com a expectativa de envolvimento dos entes federados na execução das políticas de educação indígena.

De forma geral, o desafio da recomposição orçamentária perpassa todas as ações como garantia de implementação das políticas específicas da Educação Escolar Indígena, tendo em vista também os altos custos para acesso a territórios muito longínquos.

Com a valorização e busca de equidade por parte da Secadi, comandada por Zara Figueiredo, a Secretaria tem conseguido avanços principalmente no âmbito da educação básica, com um um olhar prioritário para alfabetização, letramento e numeramento e na produção de material didático das línguas (projeto Saberes Indígenas), em interface com o Compromisso Criança Alfabetizada, com secretarias de estado e municípios.

No que se refere especificamente à formação de professores indígenas, o diálogo tem sido entre a Secadi, a Capes, as universidades e os institutos federais no sentido de garantir a qualificação e garantir a oferta dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio nos territórios que ainda não têm escolas indígenas – sobretudo por falta de professores qualificados nas diversas áreas do conhecimento.

“Então esta diretoria específica para as políticas educacionais indígenas tem atuado de fato para qualificar a Educação Escolar Indígena, pensar essa educação com equidade, com princípios garantidos na constituição e nas legislações, numa construção junto ao movimento indígena e à Comissão Nacional.”.

Já o Programa Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor Equidade), com edital lançado ano passado e finalizado neste, conta com 39 novos cursos de licenciaturas e pedagogias interculturais com 2.412 novas matrículas. “Isso é importante porque a educação escolar indígena, quando se trata dos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, requer um olhar especial para implementação. Nós precisamos ter professores qualificados nas diversas áreas do conhecimento”.

O Parfor Equidade insere-se nesse panorama de envolver novas instituições nas formações, assim como o Proling, programa antigo da Secadi no apoio às universidades para que estas ofereçam cursos e pedagogias interculturais com a indução do MEC. “Esse apoio da Secadi é fundamental em termos de garantia de custeio, por serem cursos caros devido ao deslocamento dos professores, garantindo a participação e permanência dos professores indígenas nestes cursos.

A diretoria tem recebido uma demanda muito grande por cursos de magistério indígena, de nível médio, com projeto pedagógico específico em contexto regional – pedidos que se inserem no contexto de povos de recentes contatos. “Ontem mesmo tivemos contato com o povo Korubo, do Vale do Javari, no Amazonas. Pela primeira vez eles estão vindo à capital pedir escola, formação. Não dá pra pensar formação para povos de recente contato num formato tradicional.”

Nesse sentido, tem-se pensado na construção de projetos específicos, desde o fundamental ao magistério, com iniciativas piloto em parcerias com a Funai e o Ministério dos Povos Indígenas – e posteriormente tais alunos terão acesso aos cursos de pedagogia interculturais. Outro exemplo é o povo Kayapó, no Maranhão, também contactado recentemente. “Eles têm apenas um professor. Fizemos visita e eles vão acessar a licenciatura intercultural pela primeira vez”, conta.

Pesquisa e novos espaços políticos

Existe atualmente um número muito grande de jovens indígenas acessando cursos diversos das universidades, da pedagogia e educação a áreas como direito, medicina e saúde através do sistema de cotas.

Essa presença de indígenas na pós-graduação, em cursos de mestrado e doutorado, tem feito a diferença na reformulação destes espaços de conhecimento. Tais pesquisadores levam a formulação, por exemplo, de uma antropologia indígena, uma contra-antropologia e novas epistemologias a partir do pensamento indígena.

Ao se considerar a ciência indígena, a ancestralidade e a territorialidade no contexto educacional, é estabelecido um processo contínuo de conservação de biomas e alteração de epistemologias dominantes nos diversos espaços da educação.

Atualmente também existe um número considerável de povos indígenas, principalmente a partir do governo atual, ocupando espaços políticos de tomada de decisões. “Isso acaba trazendo contribuições importantes para a pesquisa e para a extensão no âmbito da academia e da educação básica no que se refere à discussão da temática indígena na escola”, analisa Tuxá.

Os espaços de pesquisa e extensão na graduação também têm sido muito importantes para estimular debates contemporâneos e mostrar quem são e como vivem os povos indígenas na contemporaneidade. “Existe um desconhecimento muito grande da sociedade brasileira de quem são os povos indígenas. Com isso, esse debate na pesquisa e na academia tem proporcionado outras versões, outros olhares sobre os povos indígenas no Brasil e nesses espaços políticos que estão assumindo”, celebra a pesquisadora.

Pular para o conteúdo